Organização das Nações Unidas (ONU)AFP
Publicado 04/10/2023 15:54 | Atualizado 04/10/2023 16:03
Publicidade
A força internacional que será enviada ao Haiti pode representar um alívio para a sua população aterrorizada por gangues, mas os especialistas temem que se repita uma história já conhecida por este país, ainda imerso em crises apesar das intervenções anteriores, uma delas liderada pelo Brasil.

Com gangues cada vez mais violentas que controlam quase toda a capital, a missão multinacional de apoio à segurança, concebida para apoiar uma polícia sobrecarregada, "poderia ser um alívio, especialmente para os moradores dos bairros marginalizados", acredita Robert Fatton, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.

No entanto, "estou bastante cético quanto ao sucesso final da missão", admitiu à AFP. "Se os problemas políticos não forem resolvidos, qualquer resultado a curto prazo falhará", acrescentou.

Na segunda-feira, 2, o Conselho de Segurança das Nações Unidas deu sinal verde a esta missão separada da ONU e liderada pelo Quênia. Embora Nairóbi tenha prometido 1.000 membros de forças de segurança, o número total e a forma como serão constituídos são desconhecidos.

A cifra de 2 mil soldados é mencionada com frequência, o que seria um número "limitado" ante uma possível "guerrilha urbana", alerta Robert Fatton, ao lembrar que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), liderada pelo Brasil e que funcionou entre 2004 e em 2017, chegou a 10 mil capacetes azuis.

Um grande desafio
A Minustah, que nunca conquistou a confiança dos haitianos, inicialmente esteve perto de livrar Porto Príncipe das gangues. No entanto, o terremoto devastador de 2010 apagou seu progresso e a imagem da missão foi manchada por acusações de abuso sexual e pelas 10 mil mortes por cólera, levada ao país pelas forças de paz nepalesas.

Desde então, as gangues só prosperaram. Multiplicaram os assassinatos, os sequestros e o recrutamento de jovens haitianos e turvaram ainda mais o futuro do país mais pobre das Américas. Se estas gangues decidirem lutar, terão mais membros e melhores armas do que a polícia, o que representará um grande desafio para a futura força internacional.

Emiliano Kipkorir Tonui, que supervisionou o envio de tropas do Quênia para vários países, duvida que a polícia queniana — que sofreu baixas no seu país — esteja à altura do desafio representado por gangues armadas com "metralhadoras pesadas".

"Nossos policiais não são treinados como os soldados para ler mapas. Não são treinados em comunicação, nem em armas como metralhadoras", explica à AFP o ex-soldado, agora membro do Exército, da ONG "Kenya Veterans for Peace".

Não é uma causa perdida
Tudo isso sem levar em conta as barreiras culturais e linguísticas. A força precisará de "assessores de língua crioula para interagir com a população", alerta Richard Gowan, do International Crisis Group, e insiste na dificuldade de "obter informações detalhadas" sobre as gangues que "conhecem o terreno urbano" como a palma da mão.

Alguns defensores dos direitos humanos também destacaram as denúncias de violência por parte da polícia queniana. Sobre este assunto, a resolução do Conselho de Segurança enfatizou o estrito respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos.

"Devemos nos proteger contra potenciais abusos e aprender com os erros do passado", insiste a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield.

De qualquer forma, os erros vão além dos abusos sexuais ou da importação da cólera. O Haiti sofreu múltiplas intervenções internacionais, às vezes criticadas por se retirarem muito rápido do país.

"A comunidade internacional deve apoiar o povo haitiano a longo prazo", pediu Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres, que promove esta força há um ano.

O Haiti não tem eleições desde 2016 e a legitimidade do primeiro-ministro Ariel Henry é questionada. Henry foi nomeado pelo último presidente haitiano Jovenel Moïse, pouco antes do seu assassinato, em 2021. Portanto, a missão deve ser acompanhada por um processo político inclusivo, que abra o caminho para eleições livres e reconhecidas por todos os atores, insistem os especialistas.

Neste momento, a oposição está "cética", diz Robert Fatton. "Muitas pessoas temem que o envio de tropas torne o poder de Ariel Henry mais forte", acrescenta.

Essa preocupação não é compartilhada por Keith Mines, do Instituto para a Paz dos Estados Unidos, que pede à ainda relutante comunidade internacional que deixe de ver o Haiti como "uma causa perdida".

"A expulsão do presidente Jean-Bertrand Aristide em 2004, as 200 mil mortes deixadas pelo trágico terremoto de 2010, o recente assassinato do presidente Jovenel Moise. Os últimos 25 anos da história do Haiti foram uma tragédia atrás da outra", lembra. Embora "também tenha havido muitos avanços em diferentes períodos", acrescenta.
Publicidade
Leia mais