Lula e Xi Jinping em Pequim, na ChinaAFP
Publicado 19/01/2024 20:16 | Atualizado 19/01/2024 20:19
A China pretende unir as obras do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), relançado no ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os investimentos internacionais da iniciativa Belt and Road (Cinturão e Rota), conhecida como a nova Rota da Seda. A proposta foi trazida a Brasília pelo ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi.
Em discurso no Palácio do Itamaraty, Wang Yi sugeriu nesta sexta-feira, dia 19, que os governos do Brasil e da China devem trabalhar em conjunto para aproximar os objetivos "entre a iniciativa Cinturão e Rota e o PAC do Brasil".
Wang Yi defendeu mais abertura, inclusão e cooperação entre os dois programas governamentais e citou que as parcerias sino-brasileiras passam pela soja e pela exploração espacial. Segundo ele, há interesse em maior cooperação agrícola, na economia verde, economia digital, inteligência artificial e outras áreas.
Dúvidas no governo
A China corteja o Brasil para aderir à mega rede de infraestrutura que monta através do mundo, mas o tema divide opiniões no governo, entre diplomatas no Palácio do Planalto e no Itamaraty. Uma ala não vê vantagens práticas, enquanto outros afirmam que seria um gesto político.
Durante a visita de Estado de Lula a Pequim e Xangai, no ano passado, o Brasil não anunciou o ingresso, o que frustrou expectativas dos chineses.
O Palácio do Planalto tenta atrair empresas da China para as obras do Novo PAC, por meio de concessões, PPPs, fornecimento de materiais e equipamentos ou na composição de capital para tomar parte em leilões.
A iniciaitavia chinesa, lançada por Xi Jinping em 2013, consiste em formar uma rede global de infraestrutura, conectando ferrovias, hidrovias e rodovias, além de portos e aeroportos, para escoamento de produtos. O projeto expandiu a influência de empresas da China, seja do setor financeiro, de operação de serviços e de engenharia.
Críticas americanas
Em dez anos, os contratos de projetos ligados à nova Rota da Seda somaram US$ 2 trilhões. Ao todo, 147 países ingressaram em projetos ou manifestaram interesse de participar da rota. Houve reação de aliados ocidentais do Brasil. Os Estados Unidos alegam que as obras trazem poucos benefícios e criam uma "armadilha da dívida", o que é contestado por Pequim.
No ano passado, para fazer frente a Pequim, os EUA lançaram em parceria com a Índia, a União Europeia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos a proposta de estabelecer um Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa. Seria uma frente similar à nova Rota da Seda, com objetivo de ligar produtores e consumidores, por meio de infraestrutura de transportes.
Minutos após a despedida de Wang Yi nesta sexta, a embaixadora dos Estados Unidos em Brasília, Elizabeth Baglaey, entrou no Palácio do Itamaraty para se reunir com o ministro Mauro Vieira. Por poucos minutos a norte-americana e o chinês não se encontraram no icônico vão-livre do palácio.
Ao fim do encontro, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, confirmou que o presidente da China, Xi Jinping, virá ao Brasil em novembro para a Cúpula do G-20, no Rio de Janeiro. Ele cancelou no ano passado a presença em Nova Délhi, durante o G-20 organizado pela Índia, num sinal interpretado como tentativa de esvaziar o prestígio do país rival na Ásia.
O objetivo do governo Lula é preparar uma visita de Estado do líder chinês. Antes de chegar ao Brasil, Xi Jinping estará em Lima, no Peru, para a cúpula de líderes da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico).
Conversa com Lula
O ministro chinês manteve uma série de reuniões em Brasília durante o Quarto Diálogo Estratégico Global. Foi recebido em jantar no Itamaraty para cerca de 60 convidados, entre empresários, congressistas e membros do governo, entre eles o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Ainda nesta sexta-feira, dia 19, Wang Yi desloca-se a Fortaleza (CE), para uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na base aérea. Segundo o chanceler chinês, o objetivo é ouvir opiniões de Lula sobre assuntos bilaterais.
Vistos de 10 anos
Durante o encontro, os chanceleres assinaram um acordo para prorrogar a validade dos vistos de turismo, negócios e visita. Atualmente em cinco anos, os vistos terão a validade dobrada e passarão a durar dez anos, além de permitir multiplas entradas. Segundo o minsitro, a mudança facilitará viagens e a promoção de contatos entre empresários, além de impulsionar o turismo.
A chancelaria chinesa também se comprometeu a facilitar a abertura de um consulado geral do Brasil em Chengdu.
Mauro Vieira afirmou que o "dinamismo do relacionamento sino-brasileiro é também expressão de um novo mundo em construção" e salientou que os países compartilham interesses e visões do mundo. Já Wang Yi afirmou que os países devem buscar cooperação cada vez maior e consolidar a "confiança política".
Guerras
Os chanceleres conversaram ainda sobre as guerras entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza, e entre Rússia e Ucrânia, no Leste Europeu. O ministro brasileiro afirmou que eles trocaram impressões sobre como China e Brasil podem contribuir para solucionar os conflitos.
O ministro chinês disse que ambos os países estão cientes da responsabilidade, demonstram "força moral" e persistem na estratégia de promover união, paz e o desenvolvimento comum.
Segundo ele, a relação com o Brasil está "mais madura e resiliente" e ultrapassa o âmbito bilateral ganhando "significado de projeção mundial cada vez mais importante". Ele disse contar com a parceria estratégica do Brasil para "construir uma multipolaridade equitativa".
O ministro chinês voltou a falar no conceito pregado por Xi Jinping de "futuro compartilhado para a humanidade". Wang Yi disse que o conceito "ultrapassa as diferenças geopolíticas" e "tem grande sinergia e pontos em comum com os conceitos de diplomacia do Brasil".
Wang Yi deverá retornar ao Brasil em fevereiro, para a reunião de chanceleres do G-20, nos dias 21 e 22, no Rio de Janeiro. O chanceler Mauro Vieira também informou que aceitou um convite de Wang Yi para visitar Pequim, dentro de três meses
Em junho, os vice-presidentes do Brasil e da China se reunirão em terrotório chinês para a 7ª Sessão Plenária da Cosban, a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação.
Missão inaugural
A visita ao Brasil faz parte da primeira missão diplomática internacional de Wang Yi, em 2024. Todos os anos, a viagem inaugural da diplomacia chinesa é cercada de simbolismos e sempre inclui uma passagem na África. Antes do Brasil, ele visitou a Tunísia, o Egito, Togo e Costa do Marfim.
Analistas da política externa chinesa dizem que os objetivos das visitas são sinalizar prioridades e aumentar a influência geopolítica, econômica e a presença financeira da China nessas regiões, sobretudo na América Latina, no Norte e no Oeste da África.
Taiwan
Atualmente, apenas 12 países reconhecem a ilha de Taiwan como um país autônomo e mantêm relações diplomáticas com o governo local, considerado por Pequim um território rebelde. Sete deles estão na América Central e no Caribe. A longo prazo, a China almeja a reunificação. Ameaças militares são constantes e recrudesceram nos últimos anos.
Na semana passada, o Partido Democrático Progressista, contrário à reunificação, foi vitorioso em eleições internas. O atual vice-presidente, Lai Ching-te, elegeu-se presidente da República da China. Ele disse, em Taipei, que vai proteger a ilha da intimidação e das ameaças de Pequim.
Nesse contexto, o ministro Mauro Vieira citou durante o discurso que o Brasil reafirmou o apoio "histórico, consistente e inequívoco do Brasil ao princípio de 'Uma só China'". O gesto é uma forma de o Brasil manifestar o reconhecimento da integridade territorial da China e dos reclamos da China continental por soberania sobre a ilha de Taiwan.
Em resposta, o chanceler chinês afirmou que "a parte chinesa manifesta apreço ao fato de todas as instituições do Brasil aderirem ao princípio de 'Uma só China'".
Em 15 de agosto de 2024, os países celebram 50 anos de relações diplomáticas e promoveram uma série de eventos culturais, acadêmicos e políticos.
Homem de confiança de Xi Jinping, Wang Yi é membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista Chinês e voltou a atuar como ministro das Relações Exteriores no ano passado. Ele foi nomeado chanceler novamente em julho do ano passado e havia exercido o mesmo cargo por quase 10 anos, entre 2013 a 2022.
Wang Yi substituiu na chancelaria o ex-embaixador chinês nos Estados Unidos, Qin Gang. O diplomata ficou apenas sete meses como ministro das Relações Exteriores e foi afastado após suposto problema de saúde. Sua demissão nunca foi explicada claramente pelo governo, mas ele é suspeito de ter mantido um caso extraconjugal com uma apresentadora de TV. Eles teriam tido um bebê nos Estados Unidos, revelou o Financial Times.
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