Bandeira da FrançaAFP
Publicado 20/06/2024 18:22
As eleições legislativas apresentaram um dilema para os eleitores judeus na França, entre uma extrema esquerda que consideram "antissemita" e a extrema direita, em um contexto de aumento das agressões contra os membros de sua comunidade.

"A extrema direita é o principal perigo que ameaça os judeus e a sociedade francesa, e todo o possível deve ser feito para evitar que chegue ao governo em 7 de julho", disse à AFP Lorenzo Leschi, do coletivo judeu de esquerda Golem.

No dia em questão, os franceses votarão no segundo turno das eleições legislativas, e os eleitores judeus temem precisar escolher entre um candidato de extrema direita e outro do partido A França Insubmissa (LFI, extrema esquerda).

O LFI "tem um grande problema de antissemitismo", afirmou Leschi, para quem isso "mina a credibilidade" da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP), da qual esta formação faz parte.

"É complicado, mas para nós está claro que devemos frear [a extrema direita], mesmo apoiando a [Nova] Frente Popular" - que vai desde os sociais-democratas aos anticapitalistas -, acrescentou o porta-voz do Golem.

Uma pesquisa da Ifop nesta quinta-feira (20) atribui ao partido de extrema direita Regrupamento Nacional (RN) 34% das intenções de voto, seguido pela NFP (29%) e pela aliança centrista do presidente Emmanuel Macron (22%), no primeiro turno previsto para 30 de junho.

Em plena campanha, o primeiro-ministro Gabriel Attal pediu aos políticos que "construam uma barreira" contra o antissemitismo e "se recusem a banalizá-lo", referindo-se a Jean-Luc Mélenchon, líder do LFI.

Suas declarações ocorrem enquanto a França, que abriga a maior comunidade judaica da Europa, vive o choque do estupro coletivo de uma menina judia de 12 anos em Courbevoie, cidade a noroeste de Paris.

Neste contexto, todos os partidos buscam tranquilizar os eleitores judeus e responsabilizar seus rivais pelo antissemitismo - que registrou um forte aumento no primeiro trimestre de 2024, chegando a 366 casos (+300% em relação ao ano anterior).

A líder da extrema direita Marine Le Pen denunciou a "estigmatização dos judeus" pela "extrema esquerda", em um ataque velado a Mélenchon, que por sua vez condenou e atribuiu a agressão em Courbevoie ao "racismo antissemita".

Mas para o Conselho Representativo das Instituições Judaicas na França (CRIF), o LFI tem "ódio aos judeus" entre suas "obsessões eleitorais", segundo seu presidente Yonathan Arfi, lamentando que os socialistas sejam seus aliados na coalizão.

"Eles enfrentam uma escolha extremamente difícil, entendo isso, mas a ameaça que enfrentamos é muito maior", disse à rádio France Inter o social-democrata Raphaël Glucksmann, nascido em uma família judia e apoiador da NFP.

"Nem RN, nem LFI"?
Publicidade
O desconforto entre os eleitores judeus aumentou quando o historiador Serge Klarsfeld, conhecido caçador de nazistas e voz respeitada, afirmou que votaria no partido de Le Pen contra o de Mélenchon no segundo turno.

O LFI é um partido "antijudeu", enquanto o RN "sofreu uma transformação" para um que "apoia os judeus, o Estado de Israel", afirmou Klarsfeld, de 88 anos, ao canal LCI.

Mas muitos não esquecem que as origens do RN estão no antigo Frente Nacional, fundado, entre outros, por um ex-membro das SS e por Jean-Marie Le Pen, conhecido por suas declarações antissemitas, apesar dos esforços de sua filha Marine para moderar a imagem da formação.

"Não faz sentido", disse à AFP Emmanuel Revah, humorista e ativista contra o antissemitismo, que considera votar na NFP, "independentemente do candidato", pois "o mais importante é derrotar o RN".

O LFI refuta as acusações de antissemitismo contra o partido e seu líder.

Neste período de incerteza, "as pessoas estão irritadas, desorientadas e muito angustiadas", afirma à AFP Judith Cohen Solal, coautora de um livro sobre a extrema direita e os eleitores judeus.

Os de esquerda se inserem principalmente na lógica de votar no “menos pior", embora haja exceções, diz Cohen.

A posição do Coletivo Nous Vivrons, criado após o ataque do movimento islamista Hamas em 7 de outubro a Israel, é clara: "Nem RN nem LFI", afirma sua porta-voz, Sarah Aizenman.

Já outros torcem por um desfecho diferente daquele que está nos prognósticos.

"Vamos votar em qualquer candidato contra o RN", diz à AFP a escritora Brigitte Stora, que espera que, em seguida, Mélenchon e seus "pequenos capitães" sejam "colocados para fora do jogo".
Leia mais