Viviana Quevedo foi demitida em dezembro e passa por situação delicadaLuis Robayo/AFP
Publicado 27/09/2024 08:04
A pobreza na Argentina atingiu 52,9% da população no primeiro semestre do governo de Javier Milei, uma cifra que reflete o drama de muitos, como Viviana Quevedo, demitida em dezembro e gradualmente mergulhada na miséria.

Aos 57 anos, essa mãe solteira, que trabalhou até dezembro como funcionária da limpeza, já não consegue pagar por uma moradia e está prestes a ficar sem teto. Ela e sua filha de 13 anos fazem parte da estatística de pobreza divulgada nesta quinta-feira (26) pelo instituto de estatísticas Indec.

O índice, 11,2 pontos percentuais maior que o do segundo semestre de 2023, reflete o impacto de uma política de ajuste fiscal promovida pelo governo de Milei, centrada na redução de gastos e inflação, o que aprofundou a recessão econômica.

"É necessário encontrar uma equação que compatibilize crescimento com distribuição. Só assim poderemos reverter essa tendência de aumento da pobreza", disse à AFP Santiago Coy, sociólogo e pesquisador da Universidade de Buenos Aires.

O Indec calcula a pobreza comparando os rendimentos com o custo de uma cesta básica total, que inclui alimentos, bens e serviços, estimada em cerca de 240 dólares (R$ 1.305 na cotação atual).

'Sem dignidade'
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Até dezembro, Viviana limpava casas de famílias, mas a recessão e o ajuste forçaram a classe média a cortar gastos, empurrando-a para uma situação que inicialmente considerava temporária. Agora, já são nove meses sem conseguir se reerguer.

"Estou em uma situação delicada, muito vulnerável. Não consigo trabalho e vou ficar na rua no dia 30 de setembro" devido às dívidas com o hotel onde paga o equivalente a cerca de 25 dólares (R$ 135) por noite.

No segundo trimestre, o desemprego ficou em 7,6%, em um contexto de recessão, com queda de 1,7% no PIB em relação ao primeiro trimestre. A inflação, embora em desaceleração, continua entre as mais altas do mundo, atingindo 236% nos últimos 12 meses até agosto.

Sentada na calçada de uma avenida comercial no opulento Bairro Norte, a presença limpa e organizada de Viviana, com um punhado de cópias de seu currículo em mãos, longe de causar desconforto, desperta empatia.

"Distribuo meu currículo para as pessoas, mas minha idade joga contra mim. Mesmo assim, não perco a esperança de encontrar algo que me devolva a dignidade que perdi, porque me sinto uma mulher sem dignidade", confessa, usando uma máscara que esconde a perda de vários dentes.

À tarde, ela se mistura com outras mães na porta da escola pública onde sua filha estuda. À noite, recorre a refeitórios populares organizados por grupos solidários.

Do governo, ela recebe um auxílio de cerca de 85 dólares (R$ 460) por mês para sua filha, um paliativo que aumentou 308% em relação a dezembro, mas ainda distante dos 108 dólares (R$ 587) mensais necessários para que uma pessoa não seja considerada indigente.

Uma 'realidade crua' sem aniversário
"Em um país onde a pobreza é medida pela renda, nos empobreceram a todos", disse nesta quinta-feira o porta-voz presidencial Manuel Adorni, antes da divulgação dos números que, segundo ele, "refletem a realidade crua" que a sociedade enfrenta devido a governos anteriores.

Com o equilíbrio fiscal como meta central, o presidente ultraliberal aplica com rigor um ajuste inédito. Desde dezembro, ele interrompeu obras públicas, demitiu milhares de servidores, eliminou subsídios às tarifas de energia, congelou o orçamento educacional, liberou os preços dos medicamentos e vetou uma lei para recompor as aposentadorias.

"A inflação é empobrecimento e mais pobreza para os mais pobres, por isso a melhor maneira de combater a pobreza é combater a inflação", afirmou Adorni.

Contudo, trata-se de uma política que "deixa muitos excluídos", alertou a economista Marina Dal Poggetto ao veículo Cenital. "E isso gera uma sociedade cada vez mais partida".

Enquanto isso, Viviana Quevedo ainda se ressente por não ter conseguido comemorar o aniversário de sua filha, Pamela, no início de setembro, como fez em 2023. "Não consegui nem comprar algo para que ela dividisse com os colegas na escola", lamenta.

Ela sente falta de comer verduras, de comprar pão para comer com geleia e leite no café da manhã. "A fome traz medo, terror. Nunca vivi uma situação assim na minha vida", reflete essa mulher, para quem "ficar doente está fora de questão".

"Sinto que há uma grande agressão contra aqueles que não conseguem sair dessa situação de fome tão terrível, de não conseguir nem alugar um quarto", desabafa Viviana, que, apesar de tudo, está decidida a "não desistir".
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