Publicado 02/12/2024 18:03 | Atualizado 02/12/2024 18:22
O câncer de pulmão tem a maior taxa de letalidade da oncologia. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, em 2022 foram registrados 29.576 casos da doença — alta de 101% em comparação com 2020. A faixa etária com maior incidência é a de 40 a 59 anos. As estatísticas mostram que a doença é a terceira mais comum entre os homens e a quarta entre as mulheres. O quadro preocupante se completa com as projeções do Instituto Nacional do Câncer (INCA), que indicam o crescimento de 65% no número de doentes até 2040.
PublicidadeOutra questão que impacta diretamente os pacientes é a demora no diagnóstico. Quando ele ocorre de forma precoce, as chances de cura aumentam exponencialmente. No entanto, o câncer de pulmão pode se desenvolver lentamente ao longo dos anos, sem apresentar sintomas. Os fumantes, em especial, devem anualmente realizar exames clínicos, laboratoriais e radiológicos como forma de acompanhamento.
Apesar do cenário preocupante, nos últimos anos houve avanços significativos no tratamento. O mais recente deles foi a análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do medicamento Tarlatamab, da empresa de biotecnologia e biossimilares Amgen — indicado para pacientes do câncer de pulmão de pequenas células, que é o mais agressivo. De acordo com especialistas, a taxa de resposta pode ser até três vezes maior do que a registrada nos tratamentos atualmente utilizados. O remédio se destina a doentes que já experimentaram outras formas de terapia, mas que deixaram de responder ao protocolo utilizado.
No fim de novembro, um evento médico realizado no Rio de Janeiro reuniu oncologistas do Brasil, México, Argentina e Colômbia, que com a participação de especialistas da Suíça, Alemanha, Estados Unidos e Canadá. Na ocasião, foram apresentados os resultados dos estudos sobre o uso do Tarlatamab e discutidos os principais avanços da imunoterapia no tratamento do câncer de pulmão de pequenas células.
De acordo com o diretor médico da Amgen Brasil, Alejandro Arancibia, o evento teve como objetivo divulgar o medicamento, além de discutir formas de acesso ao Tartalamab.
“Quando reunimos oncologistas de várias países da América Latina, proporcionamos a possibilidade de troca de conhecimentos e discussão sobre um tratamento inovador. O Tarlatamab vem chamando a atenção dos oncologistas, que querem informações sobre os estudos realizados e os resultados alcançados. O câncer de pulmão de pequenas células não é o de maior incidência, porém é o mais agressivo. É muito comum que o paciente melhore com o tratamento tradicional, mas deixe de responder logo em seguida. O Tarlatamab vem mostrando uma resposta mais duradoura e consistente”, explica.
Segundo Arancibia, 50% dos estudos clínicos com o medicamento foram realizados no Sistema Único de Saúde (SUS) e apresentaram resultados animadores. Ele acredita que o medicamento estará disponível no primeiro semestre de 2025.
Benefícios inéditos
Para o oncologista William William, um dos principais especialistas brasileiros em tumores no tórax, o novo medicamento surge para tratar “uma doença órfã de estratégias terapêuticas”. Ele destaca que os “benefícios inéditos” abrem as portas para outras estratégias para tratamento.
“O câncer de pulmão de pequenas células é uma doença cujos tratamentos anteriores têm ‘prazo de validade’. Com o Tarlatamab podemos pensar em estratégias mais eficazes e mais duradouras. As terapias atuais são muito complexas e com efeitos colaterais severos. Com o novo medicamento, temos um caminho novo pela frente, com novas possibilidades”, destaca, acrescentando que, em um prazo de 24 meses, novos estudos em andamento fornecerão mais informações para aprimoramento do tratamento.
William chama a atenção para o estigma que o paciente com câncer de pulmão carrega. O oncologista lembra que, por ser associada ao cigarro, a doença ainda é vista com preconceito.
“Boa parte — mas não a totalidade — dos pacientes com câncer de pulmão é ou foi fumante. Isso criou um conceito no imaginário das pessoas de que o doente procurou a doença. Precisamos desconstruir essa ideia. Ninguém procura ter câncer. O mais grave é que o próprio paciente, muitas vezes, incorpora essa espécie de culpa”, explica.
Ação coordenada
Criada há pouco mais de um ano — em novembro de 2023 —, a Aliança Brasileira Contra o Câncer de Pulmão reúne seis entidades médicas e busca estruturar políticas de prevenção e diagnóstico precoce da doença. Seu presidente, o oncologista Carlos Gil Ferreira, explica que a entidade vem discutindo com o Ministério da Saúde a integração do rastreamento do câncer de pulmão ao Programa Nacional de Controle do Câncer.
“Queremos que sejam estruturadas ações nacionais que aumentem o número de diagnósticos da doença nos estágios 1 e 2, quando há maiores chances de cura. Atualmente, ele é de 15%, mas pode crescer muito. Acreditamos que o rastreamento adequado pode reduzir o número de mortes por câncer de pulmão em um prazo de três a cinco anos”, esclarece.
Entre os principais obstáculos enfrentados no tratamento da doença, Ferreira destaca a falta de tomógrafos e de radiologistas. Segundo ele, a Região Sudeste concentra boa parte dos equipamentos e de pessoal capacitado.
“A questão é a concentração dos recursos e da mão de obra disponíveis. As regiões Norte e Nordeste enfrentam carência de tomógrafos e de profissionais, disponíveis em maior número na Região Sudeste. Essa discrepância precisa ser corrigida. O câncer nunca foi uma prioridade em termos de saúde pública. E não estou me referindo apenas ao Brasil; é uma realidade global. No entanto, essa mentalidade precisa mudar. A Aliança representa um esforço nesse sentido”, diz.
Para Ferreira, a política de prevenção do câncer de pulmão deve começar na atenção primária de saúde. Para tanto, é necessário que médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem recebam tratamento para identificar a doença nos estágios iniciais. "Hoje ela muitas vezes é confundida com a tuberculose”, alerta o oncologista.
O especialista destaca ainda que o diagnóstico precoce tem vantagens que vão além da saúde pública. Ferreira ressalta que o paciente com a doença em estágio avançado precisa precisa receber um tratamento caro, o que sobrecarrega o orçamento do SUS.
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