Presidente Jair Bolsonaro fez propaganda da cloroquina como tratamento contra a doença desde o início da pandemiaReprodução/TV Brasil
Publicado 22/03/2022 08:00
Publicado na renomada revista científica britânica The Lancet, um estudo desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Universidade de Brasília analisou os fatores sociopolíticos que explicam a alta mortalidade por covid-19 no Brasil - segundo país com maior número de mortes do mundo: mais de 657 mil até agora. Os resultados da pesquisa comprovam que o negacionismo e a ausência de coordenação política do governo federal tiveram impacto direto na perda de vidas em todas as regiões do país.

“Os autores fizeram uma revisão de muitos estudos e demonstraram que a campanha de negação científica comandada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro e a desinformação sobre o uso de medicamentos sem efeito, incluindo a automedicação (kit-covid), estão entre as principais causas da gravidade da situação da pandemia no Brasil”, explica Mario Dal Poz, doutor em saúde pública e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

De acordo com Dal Poz, os efeitos negativos do negacionismo foram até mais importantes que os índices socioeconômicos das cidades de maior capacidade e importância no Brasil. Para ele, “os resultados ressaltam a fragilidade das políticas de saúde pública, que foram desmanteladas pela negação científica dos partidários e apoiadores do presidente Bolsonaro. Fica demonstrado estatisticamente que as cidades em que Bolsonaro teve maior apoio na eleição de 2018 foram as mais fortemente afetadas pela taxa de mortalidade”.

Mortes evitáveis

A publicação demonstrou que a descentralização das políticas para os governos municipais afetou a infraestrutura emergente do sistema de saúde. “Estima-se que aproximadamente um quarto das mortes por covid-19 nos hospitais poderia ser reduzida com o gerenciamento correto dos recursos hospitalares. O estudo chama a atenção para a responsabilidade dos líderes políticos, em especial daqueles que não agiram adequadamente. Fica clara a necessidade de políticas de saúde integradas, bem como de coordenação, nacional e regionais, em particular nas crises sanitárias, como a pandemia”, esclarece o epidemiologista.

Entre os outros fatores que tiveram peso nos resultados do combate aos efeitos da covid-19 no país estão: as desigualdades socioeconômicas; o aumento generalizado de uma nova e mais transmissível variante em Manaus levou ao colapso dos sistemas de saúde.


“O desinteresse da administração federal em implementar uma resposta coordenada e agressiva para enfrentar a covid-19 tiveram consequências graves. Seriam medidas gerais de saúde pública a serem implementadas: bloqueio local, distanciamento social, uso obrigatório de máscaras, testagem e rastreamento de contatos da população”, aponta o médico, citando alguns pontos da estratégia de países como a Nova Zelândia, por exemplo, que registra 163 mortes entre mais de 496 mil casos de covid.

Trabalho da ciência segue firme

Um estudo de pesquisadores da Fiocruz e da Universidade de Columbia identificou resultados promissores em uma combinação de medicamentos antivirais no tratamento da covid-19. O grupo demonstrou que há sinergia entre substâncias que inibem as enzimas que permitem que o Sars-CoV-2 se multiplique com mais eficiência e que, juntos, os remédios podem diminuir a replicação do vírus em dez vezes mais do que separadamente.

Divulgado em 22 de fevereiro na Communications Biology, uma publicação da revista científica Nature, o estudo apontou que os inibidores das enzimas polimerase e da exonuclease, quando combinados, trabalham para bloquear a capacidade do vírus se reproduzir nas células infectadas.

“Nós estudamos inibidores de uma enzima essencial para a biologia do Sars-CoV-2, a exonuclease, que permite maior estabilidade genética ao vírus e o ajuda a selecionar variantes virais, como aquelas que escapam da respostas imunes do organismo, por exemplo. A exonuclease seleciona o conjunto genético mais abundante do vírus e permite que cópias desse conjunto sejam replicadas, isso tudo em cooperação com outra enzima, a polimerase”, explica um dos coordenadores do estudo, Thiago Moreno L. Souza, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), em texto publicado no site da instituição.

Primeiro medicamento aprovado

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no dia 24 de fevereiro deste ano o uso emergencial de um medicamento que promete aumentar a resistência contra a covid-19 em pessoas imunocomprometidas graves em decorrência de outros problemas de saúde. Produzido pela AstraZeneca, o Evusheld não substitui a vacinação, sendo recomendado apenas para pessoas não infectadas pelo novo coronavírus, cujas defesas imunológicas estejam comprometidas por outras doenças ou que não possam ser vacinadas.

Já autorizado em outros países, o remédio pode ser usado por pessoas a partir dos 12 anos de idade ou com pelo menos 40 kg, que não tenham tido contato recente com pessoas com covid-19. Profilático, o remédio é composto por dois anticorpos monoclonais IgG1, o cilgavimabe e o tixagevimabe, que serão injetados por via intramuscular, sucessivamente e, a princípio, uma única vez.
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