Tatiane Cristina Chaves Pereira: procuradora da PGM superou as adversidades de nascer em família pobre e periféricaLuciana Carneiro/Ascom
Publicado 26/03/2024 07:06
Niterói - Em 18 de janeiro deste ano, Tatiane Cristina Chaves Pereira tomou posse como procuradora de Niterói. O concurso da Procuradoria Geral do Município (PGM) teve 33 aprovados. Tatiane foi a terceira colocada no geral e a primeira entre as mulheres. Na solenidade de posse, a nova procuradora fez um discurso incisivo e marcante no qual enfatizou temas como diversidade, representatividade e questões de raça e gênero.
Tatiane é a primeira procuradora negra concursada após a Lei de Cotas de Niterói. Carioca de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, ela nasceu em uma família pobre, mas que sempre a incentivou a estudar. Tatiane aproveitou todas as oportunidades que teve para chegar onde está. Ela é, antes de tudo, uma vencedora. “Nunca me limitei ao que a sociedade impõe para uma mulher negra de um bairro periférico”.
“Sou a caçula de três filhos de uma família sem recursos. Meu pai foi eletricista da Light e minha mãe sempre foi do lar. Fiz o ensino médio na Escola Técnica Estadual Santa Cruz (FAETEC). Com 16 anos, vi que meus pais não teriam condição de pagar uma faculdade particular e nem ajudar na preparação para uma faculdade pública. Fiz concurso público para a Aeronáutica, entrei na Força Aérea Brasileira (FAB) e me formei como terceiro sargento em eletrônica de aviação. Foi com o salário da Aeronáutica que paguei minha faculdade de Direito. Quando meu pai perdeu o emprego, meu salário passou a ser a única renda da família. Decidi sair da Aeronáutica e passei em um concurso público de nível técnico para trabalhar na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Me formei em Direito no final de 2012 e fiz outro concurso. Passei para o cargo de analista processual no Ministério Público Federal (MPF), uma posição de nível superior. Fiquei cerca de nove anos no MPF, quando decidi estudar para ser procuradora. O concurso da PGM de Niterói foi muito difícil e muito disputado, mas consegui ser aprovada”, contou Tatiane.
Para ela, a decis]ão de se tornar procuradora foi natural. “A administração pública direta sempre me atraiu. Tive experiências na CVM e no MPF e passei a me interessar a ver, na prática, como as políticas públicas são feitas. Quero trabalhar na defesa da sociedade, mas pelo lado da administração pública direta. Vi que poderia fazer a diferença como advogada pública. É muito importante auxiliar o gestor para que ele tenha uma boa assessoria jurídica para executar bem as políticas públicas. Vi que queria estar mais próxima dos resultados. Quando passei no concurso da PGM de Niterói, não pensei duas vezes. Quero ajudar muito Niterói, que foi a minha escolha”, revelou.
As questões de gênero e raça sempre estiveram presentes na sua vida profissional. “Tenho uma visão de que a diversidade é necessária. Os cargos jurídicos no Brasil geralmente são ocupados por pessoas de famílias de classes altas. Sempre tive a noção de que, para melhorar as políticas públicas e para auxiliar o gestor público, é necessária a diversidade. Estudei em uma escola técnica estadual. Conheço as dificuldades de uma escola pública. Geralmente as pessoas que ocupam os altos cargos do Judiciário não conhecem essa realidade de perto. A mulher negra está na base da sociedade. A questão racial é muito complexa”, diz a procuradora da PGM. “A dificuldade da mulher branca não é a mesma da mulher negra. Por isso é tão difícil que mulheres negras ocupem determinados espaços. Trabalhei com questões raciais no Ministério Público Federal (MPF), onde fui integrante da Comissão de Raça e Gênero por ser a única analista processual negra. Organizei eventos. Tive uma atuação forte na questão racial no MPF. Quero ter este tipo de atuação na Procuradoria Geral de Niterói. Minha intenção é fazer parcerias e trazer eventos com essas discussões para toda a administração direta. O município tem esse interesse e está muito ligado na questão racial. O concurso no qual fui aprovada foi o primeiro para procurador que aplicou a Lei de Cotas da cidade, que é de 2020. Tivemos quatro negros aprovados: dois tomaram posse, eu e mais um, e outros dois estão no cadastro de reserva. Isso mostra que Niterói está à frente de muitos municípios”, observa.
Tatiane, com sua trajetória, é inspiração para outras mulheres negras. “Tenho consciência da representatividade e da relevância da posição que ocupo. Recebo mensagens de mulheres negras dizendo que também querem ser procuradoras. Pessoas com histórias parecidas com a minha, de origem humilde, falam comigo. É importante dizer que a presença de mulheres negras em uma posição como a que estou hoje precisa ser normalizada. Quero ver mais pessoas negras em posições importantes e em cargos públicos. Sou uma entusiasta do concurso público porque foi o que mudou a minha vida. Quero dar palestras nas escolas municipais para incentivar as crianças a buscarem seus sonhos através dos estudos. Nunca me limitei ao que a sociedade impõe para uma mulher negra de um bairro periférico”, concluiu ela.
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