Carlos Mauro: 40 anos de carreira na música e 60 de vidaGustavo Stephan
Publicado 17/07/2024 09:03
Niterói – O cantor e compositor niteroiense Carlos Mauro – egresso da clássica banda independente dos anos 80, A Mosca (1987 até 1993), e de seu grupo posterior Tio Samba (1998 até 2018) – comemora 60 anos com lançamento de um novo EP digital e um show na Sala Nelson Pereira dos Santos, em São Domingos. Repassando toda sua carreira e mostrando as novidades que hoje ocupam sua mente criativa, o artista afirma que a música fez sua vida mais divertida e inclusiva.

No próximo dia 26 o EP ‘O Outro’ chega às lojas digitais. É o terceiro lançamento solo, sequência de 'A favor dos insetos', lançado pelo artista em 2022 e continuada por 'Meu Deus é Bom', lançado no ano passado. E em 28 de julho sua carreira solo será apresentado ao vivo pela primeira vez, com obras também dos trabalhos anteriores.

O novo EP contém cinco composições inéditas de autoria própria, sendo que três delas foram feitas em parceria com parceiros letristas, duas com Marcelo Diniz (Tudo faz sentido e A bolha) e uma com Sérgio Barros (Eu canto). As outras duas canções (O outro e Amor imperfeito) têm letras do próprio cantor.

Segundo Carlos Mauro, a faixa-título do EP, a terceira na ordem, é um samba-ijexá, que questiona as fronteiras entre o eu e o outro. A canção que abre o álbum, ‘Eu canto’, é um samba tradicional que fala sobre o ato de cantar e de sua importância para unir pessoas. A segunda faixa, ‘Tudo faz sentido’, é um baião-rock que celebra a explosão intelectual e criativa. A penúltima faixa, ‘A bolha’, é uma bossa nova com harmonia modal e sua letra explora a fragilidade e a beleza efêmera de uma bolha como metáfora para discutir conceitos de beleza, transitoriedade e complexidade. E a última canção, ‘Amor perfeito’, é uma polca-choro, gênero da música brasileira muito popular em meados do século XIX, que aborda a beleza e o sentimento que coexistem no coração de alguém que ama profundamente, mas que deve manter esses sentimentos ocultos.

A produção é de Bernardo Dantas, responsável também pelas guitarras, violões e teclados, além de todos os arranjos. O EP ainda contou com a participação dos seguintes músicos: João Callado (cavaquinho em Eu canto), Bruno Barreto (percussão em Eu canto e O outro), Fabio Lessa (baixo em Tudo faz sentido e O outro), Bruno Migliari (contrabaixo acústico em A bolha), Felipe Tauil (bateria em O outro e percussão em Amor imperfeito), Leonardo Miranda (flauta em Amor imperfeito), Whatson Cardoso (clarineta em Amor imperfeito), Marcio Arese (saxofones em O outro), Fabiano Segalote (trombone em O outro) e Maico Lopes (trompete em O outro).

Já o show Retrovisor é o lançamento do trabalho solo e revisão dos 40 anos de carreira e 60 anos de vida do artista – que será acompanhado por uma banda liderada pelo guitarrista, violonista e arranjador Bernardo Dantas, Rodrigo Sebastian (baixo elétrico e acústico), Lulu Antunes (teclados e sanfona), João Callado (cavaquinho, guitarra e violão) e Gabriel Guenther (bateria e percussão).

De acordo com Carlos Mauro, "olhar pelo retrovisor é lembrar de onde viemos e ter consciência do caminho que percorremos para chegar até o ponto em que estamos. É percebermos que a nossa trajetória faz sentido, é responsável pela nossa singularidade e é também o fundamento da nossa personalidade".

TRÊS PERGUNTAS PARA CARLOS MAURO

O DIA - Olhando no retrovisor, como você vê todo seu tempo dedicado à música? Valeu a pena?

Carlos Mauro - Acho que, se não fosse a música, minha vida não teria tanta graça para mim mesmo - e esse é o ponto mais importante entre as razões que me fazem afirmar que valeu e contínua valendo muito a pena cada segundo do meu tempo. Mas ela também me fez aprender duas coisas fundamentais para a constituição da pessoa que eu sou. A primeira delas é que tudo o que nós somos tem a ver com as relações que nós fazemos com os outros. O bom músico é aquele que colabora melhor com os demais músicos que estão trabalhando com ele. Para isso acontecer, temos que aprender a ouvir o outro, a respeitar suas decisões e a levar em consideração essas decisões para a tomada de nossas próprias decisões. A música nos ensina isso. A segunda coisa é que nem sempre conseguimos encontrar as palavras exatas para exprimir um sentimento, mas sempre conseguimos um jeito musical de expressá-los com propriedade. Um contexto musical vale mais do que mil palavras para a expressão de sentimentos. Aprendemos isso quando fazemos música e isso nos torna mais capazes de nos expressarmos.

O DIA - Como você enxerga o mercado musical de hoje e o de ontem, quando lançou sua primeira banda A Mosca? Falta uma Rádio Fluminense FM pra ajudar ou a internet faz esse papel?

Carlos Mauro - O mercado hoje é muito diferente. Na época em que A Mosca surgiu, em meados dos anos 1980, o mercado buscava identificar os artistas com as diversas tribos culturais e tanto os produtores culturais quanto os meios de comunicação (os agentes desse mercado) tinham como objetivo obter e consolidar essa ligação entre os artistas e as tribos, de modo a criar um forte sentimento de pertencimento afetivo dos indivíduos com as suas tribos e entre si, com a música funcionando como um instrumento impulsionador dessa interação social. As rádios tinham um papel muito importante nisso, pois eram o meio de comunicação mais sensível às rápidas transformações que ocorriam nessas tribos. Identificar-se com uma rádio significava não ser um indivíduo isolado no mundo, era fazer parte de uma coisa maior, que parecia, às vezes, até uma revolução cultural - pelo menos essa era a impressão que tinha um jovem ouvinte assíduo de uma rádio identificada com determinada tribo naquela época. Eram tempos mais comunitários, em que compartilhávamos mais experiências de fruição musical. A tecnologia musical, em relação à da imagem e a de transmissão e consumo de outros tipos de dados, estava muito na frente. Se você pegar um vinil dos anos 80 e por pra tocar no toca disco, vai ter uma experiência excelente em termos sonoros. Se você for fazer o mesmo com uma gravação de um programa de televisão, por exemplo, vai perceber que a imagem e o som oferecidos eram muito ruins. Isso fazia com que os jovens fossem muito atraídos pelos discos, porque, com exceção dos filmes projetados nos cinemas, não havia outra alternativa tecnológica de entretenimento tão avançada e impressionante quanto a produzida pela audição de um LP. A música, naquela época, era o centro de atenção para os jovens. Hoje tudo é muito diferente. Diz-se que há muita liberdade. Mas, pergunto: há alguma liberdade quando não há regras? Penso que não. A liberdade está precisamente naquilo que criamos a partir das regras. a música, no universo das interações virtuais, é apenas uma das várias formas de entretenimento dentro do contexto digital, sendo inclusive uma das menos impactantes. Hoje, o mercado da música é, portanto, individualista, e, do ponto de vista do entretenimento tecnológico, tem menos atrativos de que outros mercados digitais como, por exemplo, o dos games. A música não é mais protagonista.
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O DIA - Como é chegar aos 60 fazendo música de qualidade, quando o mercado está muito mais lotado de produtos montados e subprodutos do que antigamente?

Carlos Mauro - Não sei se estou fazendo música "de qualidade". A expressão "de qualidade" é fundamentalmente valorativa e valor é, por conceito, algo relativo, subjetivo. Há uma canção que está no meu segundo EP solo, "Par é impar" que fala sobre essa questão: a arte é algo sempre "par", um verdadeiro binômio entre o objeto produzido pelo artista e o seu expectador. Mas esse binômio é sempre “ímpar", no sentido de singular, de não existir outro igual a ele. Espero que meu trabalho atual possa provocar esse tipo de interesse. A questão dos produtos montados e dos subprodutos tem a ver com o planejamento na produção musical que é muito focado hoje em métodos estatísticos e ciência de dados a partir das informações colhidas na Internet sobre as pessoas. Como não há mais tribos a preservar e alcançar com produtos musicais, o mercado está concentrado agora em perseguir os algoritmos indicativos do que se pensa que irá despertar o maior interesse no universo de dados sem lei nem filtros da Internet. Quando estou criando uma música, minha intenção é gerar essa fecundidade dos encontros entre o público e a canção, esses binômios a que me referi antes, e não a de seguir algoritmos. Sou um cara do século passado.

SERVIÇO:

Data: domingo, 28 de julho de 2024.
Horário:19h
Classificação etária: Livre
Duração: 90min
Valor dos ingressos: R$ 30,00, R$ 15,00 (meia entrada)
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