Rodrigo AbelDivulgação
Por O Dia
Rio - Se você está entre aqueles que todos os dias recebe mensagens da avó ou da mãe dizendo que o 13 salário acabou, que fulano ou beltrano morreu, que ciclano se casou com não sei quem, que um é coxinha, outro mortadela, pois então, acostume-se e saiba que as sociedades digitais vieram para ficar, ponto final.

Temos uma população mundial de 7.6 bilhões de pessoas, das quais 5.1 bilhões possuem smartphone, 4.3 bilhões tem acesso à internet e 3.2 bilhões usam algum tipo de rede social. Achou pouco?

Até aqui, você levou menos de 60 segundos para ler os dois parágrafos anteriores. Neste piscar de olhos 1 milhão de pessoas fizeram login no Facebook; foram transmitidas mais de 41 milhões de mensagens pelo WhatsApp e pelo Messenger; 3.8 milhões de pesquisas foram feitas no Google; 390 mil programas foram baixados nas lojas da Apple e do Google; 347 mil novos post's foram feitos no Instagram; 188 milhões de email's foram enviados; houveram 4.5 milhões de view’s no YouTube - sem falar no Twitter, Tinder, Snapchat, e outros. Tudo isso em 60 segundos e você ainda reclamando das mensagens da sua mãe e da sua avó.

Mas você, teimoso que é, acha que no Brasil tudo é diferente. É mesmo? Então, prepare-se: temos uma população de um pouco mais de 210 milhões de pessoas com 215 milhões de linhas telefônicas, das quais 149 milhões tem acesso à internet com 130 milhões usando todos os dias as redes sociais. Agora que você já começa a perceber que a sua mãe e a sua avó não são tão extraordinárias assim, saiba que o brasileiro passa em média 200 minutos do seu dia usando algum tipo de aplicativo e que de acordo com a Global Web Índex, até 2020 teremos mais pessoas com acesso ao celular do que à eletricidade.

Fiz toda essa volta para dizer que aquilo que muitos invocam como os limites das relações democráticas na sociedade moderna, imputando as redes sociais à uma Ágora sem filtro, talvez seja o novo comportamento social, o que podemos conceituar como o “novo normal”. Pensar ou supor que este novo universo não fosse instrumento para as disputas econômicas ou ideológicas seria de uma ingenuidade impar.

Nossa democracia sempre foi procedimentalistas, regulada por eleições temporais e com pautas construídas pelos seus próprios atores. O que mudou é que a tribuna está posta 365 dias do ano, a pauta é diversa e não há nenhum controle social, e as eleições são realizadas praticamente todos os dias nos tribunais do mundo digital.

Dois autores me parecem fundamentais para compreendermos o mundo atual. O primeiro é Max Weber e sua construção sobre o conceito de Estado-Nação. Diz Weber que o Estado é a genuína expressão do uso da força e da coerção. O segundo é Hobbes e o seu Leviatã de 1651, onde triangula a ideia de proteção em troca da obediência ao “governo”. Aqui estão postas duas ideias centrais que dialogam com os filtros que perdemos na nova democracia em tempos digitais. Regular as redes soa como um ataque a liberdade, mas que liberdade é essa que não é regulada pelo Estado-Nação ou pelo Leviatã. Daí decorre o nosso “novo normal”. Democracia sem liberdade, sejamos francos, não existe.

A armadilha está posta. Quem tem coragem em desarmá-la?

Rodrigo Abel é cientista político