Rio - Em dezembro de 2018, autoridades italianas ordenaram a suspensão das operações de busca e salvamento do navio Aquarius, operado por Médicos Sem Fronteiras (MSF), no mar Mediterrâneo. A medida fez parte de uma série de tentativas governamentais de impedir as ações de resgate, utilizando-se dos mais variados estratagemas legais. Ainda que, ao todo, os navios tenham ajudado a salvar mais de 80.000 vidas no mar desde 2015, o discurso utilizado para impedir as operações foi o de que a embarcação estava despejando ‘resíduos infecciosos’. Procuradores chegaram a afirmar que roupas de pessoas infectadas poderiam transmitir HIV, meningite e tuberculose.
Os procuradores não precisavam ser especialistas para saber que as doenças supracitadas não podem ser transmitidas dessa maneira. Em realidade, são justamente medidas como essas – de criminalização da migração – que acabam sendo a raiz de muitas enfermidades. Em MSF, costumamos dizer que as barreiras não impedem as migrações, apenas tornam mais perigosos os percursos. Após a organização ter retomado as operações de busca e salvamento no navio Ocean Viking, no dia 21 de julho, juntamente com a SOS Mediterranee, os relatórios mostram que a maioria dos nossos pacientes a bordo apresentam desidratação, hiper ou hipotermia e queimaduras, causadas pelo sol ou pelo combustível dos barcos em que são transportados. Na Líbia – rota quase obrigatória de milhares de pessoas que vão rumo à Europa – diversos migrantes morreram em um bombardeio recente a um centro de detenção. MSF já há muito denuncia as péssimas condições desses locais, nos quais imperam doenças como tuberculose e hepatite viral e toda sorte de situações degradantes, incluindo tortura. À despeito de tais fatos concretos, a União Europeia segue mandando milhares de pessoas de volta ao país do norte da África.
Nessa odisseia, não são apenas doenças infecciosas que afetam a saúde de imigrantes refugiados. Após serem resgatadas, é comum que as pessoas relatem desconfortos de origem somática, ou seja, que têm relação com os traumas sofridos durante o percurso e em seus países de origem. São experiências cujos efeitos irão deixar marcas por toda a vida, interferindo não só na sua saúde, mas nas probabilidades de integração, reinserção laboral, e seguimento educacional. Assim, dos que sobrevivem a esse périplo, 9 em cada 10 já adoeceram. Um quarto de todos que atravessam hoje o Mar Mediterrâneo são crianças – em sua maioria, desacompanhadas. Como diz um de nossos médicos atuantes na embarcação, muitas delas não sabem o que é viver em segurança. Em contraste, um então-representante do governo italiano, ao referir-se aos imigrantes transportados pelo Open Arms, outra embarcação de resgate, chegou a alegar que esses eram ‘falsos doentes e falsos menores’. Negar seu sofrimento era peça chave para deixá-los à deriva.
Desde então, houve ao menos alguns sinais positivos dos países europeus de maior abertura para o desembarque de resgatados no Mediterrâneo. Pela primeira vez em muitos meses, imigrantes, retirados do mar pelo Ocean Viking, puderam desembarcar na Itália. Esperamos que isso signifique um avanço concreto para o estabelecimento de uma política consistente de acolhimento de refugiados na Europa.
Os procuradores não precisavam ser especialistas para saber que as doenças supracitadas não podem ser transmitidas dessa maneira. Em realidade, são justamente medidas como essas – de criminalização da migração – que acabam sendo a raiz de muitas enfermidades. Em MSF, costumamos dizer que as barreiras não impedem as migrações, apenas tornam mais perigosos os percursos. Após a organização ter retomado as operações de busca e salvamento no navio Ocean Viking, no dia 21 de julho, juntamente com a SOS Mediterranee, os relatórios mostram que a maioria dos nossos pacientes a bordo apresentam desidratação, hiper ou hipotermia e queimaduras, causadas pelo sol ou pelo combustível dos barcos em que são transportados. Na Líbia – rota quase obrigatória de milhares de pessoas que vão rumo à Europa – diversos migrantes morreram em um bombardeio recente a um centro de detenção. MSF já há muito denuncia as péssimas condições desses locais, nos quais imperam doenças como tuberculose e hepatite viral e toda sorte de situações degradantes, incluindo tortura. À despeito de tais fatos concretos, a União Europeia segue mandando milhares de pessoas de volta ao país do norte da África.
Nessa odisseia, não são apenas doenças infecciosas que afetam a saúde de imigrantes refugiados. Após serem resgatadas, é comum que as pessoas relatem desconfortos de origem somática, ou seja, que têm relação com os traumas sofridos durante o percurso e em seus países de origem. São experiências cujos efeitos irão deixar marcas por toda a vida, interferindo não só na sua saúde, mas nas probabilidades de integração, reinserção laboral, e seguimento educacional. Assim, dos que sobrevivem a esse périplo, 9 em cada 10 já adoeceram. Um quarto de todos que atravessam hoje o Mar Mediterrâneo são crianças – em sua maioria, desacompanhadas. Como diz um de nossos médicos atuantes na embarcação, muitas delas não sabem o que é viver em segurança. Em contraste, um então-representante do governo italiano, ao referir-se aos imigrantes transportados pelo Open Arms, outra embarcação de resgate, chegou a alegar que esses eram ‘falsos doentes e falsos menores’. Negar seu sofrimento era peça chave para deixá-los à deriva.
Desde então, houve ao menos alguns sinais positivos dos países europeus de maior abertura para o desembarque de resgatados no Mediterrâneo. Pela primeira vez em muitos meses, imigrantes, retirados do mar pelo Ocean Viking, puderam desembarcar na Itália. Esperamos que isso signifique um avanço concreto para o estabelecimento de uma política consistente de acolhimento de refugiados na Europa.
Nuni Jorgensen é demógrafa de MSF-Brasil
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