Publicado 01/03/2022 06:00
A cada novo março, águas de lágrimas inundam de novos sentidos esse mês que sempre foi marco simbólico das lutas das mulheres de todo o mundo. Desde 2018, às celebrações e protestos do dia 8 juntou-se o 14, data de luto e revolta pelo feminicídio político, planejado, frio e brutal, da querida amiga-irmã, vereadora socialista, libertária, negra, feminista e LGBT Marielle Franco. Não sabemos até hoje quem mandou matar Marielle e o porquê. Só não há como duvidar do caráter político do crime. Quiseram calar a sua voz.
Em quatro anos, o caso passou por cinco delegados. O último assumiu o cargo agora em fevereiro. Cada novo titular precisa ler mais de 600 páginas de inquérito. A quem interessa o atraso na investigação?
A falta de respostas do Estado eleva o risco para a atuação de mulheres na política, principalmente das negras, como eu, e agrava as condições historicamente adversas que determinam, em função da cultura patriarcal e do machismo, a minoritária participação das mulheres na política. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre os políticos eleitos em 2018, apenas 16,1% eram mulheres, numa absurda desproporcionalidade em relação à população feminina (51,8%). É ainda mais dura a solidão da mulher negra na política: entre parlamentares do Congresso, por exemplo, 2% são mulheres negras, apesar de representarem 27% das brasileiras.
“Erguer a voz e a cabeça para as mulheres negras na política não é só um ato de resistência, de coragem, é também o comprometimento com a luta contra as desigualdades de gênero, raça e classe. Em todos os ritos nas casas legislativas, há olhares e expressões corporais ameaçadoras, os nossos corpos negros são tratados como invasores que devem ser anulados. Tanto que as ações conduzidas no fazer político sofrem represálias ao extremo”.
Retirei as aspas acima do dossiê Feminicídio Político: um Estudo sobre a Vida e a Morte de Marielles, de minha autoria, resultado de minha pesquisa de pós-doc na UFF, em que elaborei o conceito de “feminicídio político”. Marielle não foi atingida no rosto à toa. Atreveu-se a erguer a voz e a cabeça. Depois de seu assassinato, em meio a uma crise sanitária, econômica e política, segue em alta o registro de feminídios: um caso a cada seis horas e meia.
Em fevereiro, completaram-se 90 anos desde que as mulheres conquistaram o direito de votar no Brasil, apenas as letradas, pois as analfabetas, a maioria negra, só puderam votar desde 1985. Diante do ascenso do conservadorismo, da misoginia e do racismo como traços de uma cultura social adotada como política de governo pelo presidente Bolsonaro, para nós, mulheres negras, resta erguer a voz e a cabeça, e lutar, assim como ousaram fazer as nossas ancestrais Anastácia, Dandara e Aqualtune.
Se mandatos parlamentares não podem garantir sozinhos o poder para acabar com um sistema sustentado por opressões estruturais, podemos ocupar a política para denunciar a barbárie, servir de instrumento às lutas das mulheres trabalhadoras, da favela, negras, indígenas, LGBTs e com deficiência, entre outras. Num potente coro, cabeças erguidas, vamos conquistar um futuro sem feminicídios políticos e com Marielles vivas e livres. Nunca vão nos calar ou curvar.
Em quatro anos, o caso passou por cinco delegados. O último assumiu o cargo agora em fevereiro. Cada novo titular precisa ler mais de 600 páginas de inquérito. A quem interessa o atraso na investigação?
A falta de respostas do Estado eleva o risco para a atuação de mulheres na política, principalmente das negras, como eu, e agrava as condições historicamente adversas que determinam, em função da cultura patriarcal e do machismo, a minoritária participação das mulheres na política. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre os políticos eleitos em 2018, apenas 16,1% eram mulheres, numa absurda desproporcionalidade em relação à população feminina (51,8%). É ainda mais dura a solidão da mulher negra na política: entre parlamentares do Congresso, por exemplo, 2% são mulheres negras, apesar de representarem 27% das brasileiras.
“Erguer a voz e a cabeça para as mulheres negras na política não é só um ato de resistência, de coragem, é também o comprometimento com a luta contra as desigualdades de gênero, raça e classe. Em todos os ritos nas casas legislativas, há olhares e expressões corporais ameaçadoras, os nossos corpos negros são tratados como invasores que devem ser anulados. Tanto que as ações conduzidas no fazer político sofrem represálias ao extremo”.
Retirei as aspas acima do dossiê Feminicídio Político: um Estudo sobre a Vida e a Morte de Marielles, de minha autoria, resultado de minha pesquisa de pós-doc na UFF, em que elaborei o conceito de “feminicídio político”. Marielle não foi atingida no rosto à toa. Atreveu-se a erguer a voz e a cabeça. Depois de seu assassinato, em meio a uma crise sanitária, econômica e política, segue em alta o registro de feminídios: um caso a cada seis horas e meia.
Em fevereiro, completaram-se 90 anos desde que as mulheres conquistaram o direito de votar no Brasil, apenas as letradas, pois as analfabetas, a maioria negra, só puderam votar desde 1985. Diante do ascenso do conservadorismo, da misoginia e do racismo como traços de uma cultura social adotada como política de governo pelo presidente Bolsonaro, para nós, mulheres negras, resta erguer a voz e a cabeça, e lutar, assim como ousaram fazer as nossas ancestrais Anastácia, Dandara e Aqualtune.
Se mandatos parlamentares não podem garantir sozinhos o poder para acabar com um sistema sustentado por opressões estruturais, podemos ocupar a política para denunciar a barbárie, servir de instrumento às lutas das mulheres trabalhadoras, da favela, negras, indígenas, LGBTs e com deficiência, entre outras. Num potente coro, cabeças erguidas, vamos conquistar um futuro sem feminicídios políticos e com Marielles vivas e livres. Nunca vão nos calar ou curvar.
Renata Souza é deputada estadual (PSOL-RJ), vice-presidente da Comissão da Mulher da Alerj, jornalista, doutora em Comunicação e Cultura
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.