Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação
Publicado 11/03/2022 06:00
A política externa russa das últimas décadas assenta-se em premissas muito claras que ajudam a entender em parte a ação militar na Ucrânia. A máxima atenção dada ao entorno regional, tido como espaço geopoliticamente fundamental para a segurança nacional, conduz a um choque natural com a expansão geográfica levada a cabo pela OTAN, inclusive com a incorporação de antigas república soviéticas. Reconhece-se, ainda, um discurso crescentemente nacionalista em favor dos povos de origem russa que vivem em diversos países, tendo o governo de Vladimir Putin assumido o compromisso inequívoco de protegê-los, inclusive militarmente.
Para além da expansão da Aliança Atlântica, Putin também reiterava criticas contra a ingerência de países ocidentais em processos políticos de Estados da região, sobretudo sob a forma de incitação a levantes e manifestações populares com o objetivo de deslegitimar ou derrubar governos simpáticos a Moscou. Essa é a interpretação do Kremlin acerca da revolução laranja na Ucrânia, que figura na raiz de boa parte das tensões que se avolumaram desde então e resultaram na guerra atual.
Durante vários anos o tom do Kremlin foi de crítica contra a suposta sanha expansionista das potências ocidentais, acusando-os de manter "o pensamento de bloco dos tempos da Guerra Fria e o desejo de explorar novas áreas geopolíticas”. Pouca dúvida havia sobre a disposição de Putin em lançar uma ofensiva mais contundente com o objetivo de fixar mais claramente algumas linhas vermelhas. Ensaios não faltaram, como na Geórgia em 2008, com o reconhecimento da independência das repúblicas separatistas de Ossétia do Sul e Abkhazia, e na Península da Crimeia, anexada em 2014.
Ainda são incertos os objetivos finais do presidente russo, mas as condições já impostas para uma solução negociada passam pela afirmação da neutralidade ucraniana, com a renúncia definitiva ao propósito de integrar a OTAN ou até mesmo a União Europeia, bem como pelo reconhecimento da independência dos territórios de Dontestk e Luhansk e da anexação definitiva da Crimeia ao território russo. São condições que atentam contra os princípios mais básicos do direito internacional, como a soberania e a integridade territorial e mostram-se inaceitáveis para o governo de Volodymyr Zelensky, complicando as possibilidades de um entendimento definitivo. As crescentes sanções econômicas contra a Rússia e a exaustão natural já visível no front ainda parecem fatores insuficientes para a renúncia de posições extremadas.
Os limitados e frágeis acertos recentes em relação à constituição de corredores humanitários, que permitam uma saída segura de civis do território conflagrado ou a entrada de ajuda e assistência para a população que permanece na Ucrânia, constituem uma ponta de esperança em meio a um cenário caótico em que, ao cabo de menos de duas semanas, cerca de dois milhões de migrantes forçados já deixaram o país em condições críticas e de grande vulnerabilidade.
As conversas entre Kiev e Moscou vão continuar, mas o fator tempo configura desafio central, considerando-se que o relógio marcha em velocidades muito diferentes para os engravatados negociadores sentados à mesa e para mulheres, idosos e crianças que deixam suas origens e raízes para trás em busca de uma sobrevivência incerta.
Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)
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