Publicado 29/04/2022 06:00
O Rio de Janeiro é o epicentro do racismo religioso que tenta silenciar no Brasil os tambores e calar as vozes das religiões de matrizes africanas. O fenômeno ocorre no bojo do racismo estrutural que sustenta um projeto político e ideológico de cunho fundamentalista, fanático e localizado na extrema direita. A discriminação, com a perseguição aos religiosos e casas de axé, tem se agravado e se expandido país afora durante os quatro anos do governo Bolsonaro.
Em plena pandemia, e em condições gerais de isolamento social, o Instituto de Segurança Pública (ISP) registrou, em relação a 2020, um aumento de 11.7% no número de casos de intolerância religiosa no ano passado, quando houve 1.564 ocorrências. Quase um terço desses casos se referiram a episódios de injúria racial ou preconceito dirigido a religiosos negros e em 10% dos casos houve ameaças e ataques a terreiros. Observa-se, inclusive, a expulsão dos terreiros para pontos cada vez mais distantes das periferias.
Os dados oficiais podem revelar, em algum grau, um possível aumento na formalização das queixas no período, mas também informam sobre o perigo sempre iminente dos contra-ataques racistas de setores da sociedade que insistem em reduzir e deformar os sentidos das religiões de matrizes africanas e em desrespeitar e agredir os religiosos negros.
O racismo religioso é atravessado ainda pelo ódio de classe, que se expressa em abjeta rejeição à humanidade das camadas sociais populares. Esse crime de ódio atinge as mesmas pessoas às quais são negados outros direitos essenciais, como à vida, à liberdade, ao trabalho, à alimentação, à moradia, à educação, à saúde, à mobilidade.
Negar o direito à fé do outro é apartar pessoas da vida em comum. A desigualdade se torna a política pública de fato, o que explica o porquê, por exemplo, da relutância do Estado em fazer cumprir a Lei 10.639, que obriga ao ensino nas escolas da história e da cultura afro-brasileiras.
Muito tem se falado em intolerância religiosa. E isso é bom. Demonstra que, pelo menos do ponto de vista do Estado, a situação se inverteu. Desde uma legislação que criminalizava especialmente as religiões afro-brasileiras no século 19, como charlatanismo, houve avanços significativos com a aprovação de leis e políticas públicas para garantir o direito à fé.
Mas em um ambiente político que envolve graves ameaças de golpes à democracia, há de se cuidar para que não ocorram retrocessos. Nesse sentido, foi uma vitória significativa a aprovação, no Rio, da lei estadual de autoria do nosso mandato negro e popular para a criação do Observatório Mãe Beata de Iemanjá, de monitoramento e produção de dados sobre o racismo religioso dirigido a praticantes de religiões de matrizes africanas.
Cada vitória da resistência precisa ser bastante celebrada, porque foi resultado de muita luta coletiva por uma liberdade que até hoje está longe de ser plena. Podemos considerar uma vitória não apenas simbólica, por exemplo, a criação do próprio Abril Verde, por outra lei de autoria do nossa mandato, junto de outros parlamentares, para o incremento de campanhas do Estado contra a intolerância religiosa.
Em plena pandemia, e em condições gerais de isolamento social, o Instituto de Segurança Pública (ISP) registrou, em relação a 2020, um aumento de 11.7% no número de casos de intolerância religiosa no ano passado, quando houve 1.564 ocorrências. Quase um terço desses casos se referiram a episódios de injúria racial ou preconceito dirigido a religiosos negros e em 10% dos casos houve ameaças e ataques a terreiros. Observa-se, inclusive, a expulsão dos terreiros para pontos cada vez mais distantes das periferias.
Os dados oficiais podem revelar, em algum grau, um possível aumento na formalização das queixas no período, mas também informam sobre o perigo sempre iminente dos contra-ataques racistas de setores da sociedade que insistem em reduzir e deformar os sentidos das religiões de matrizes africanas e em desrespeitar e agredir os religiosos negros.
O racismo religioso é atravessado ainda pelo ódio de classe, que se expressa em abjeta rejeição à humanidade das camadas sociais populares. Esse crime de ódio atinge as mesmas pessoas às quais são negados outros direitos essenciais, como à vida, à liberdade, ao trabalho, à alimentação, à moradia, à educação, à saúde, à mobilidade.
Negar o direito à fé do outro é apartar pessoas da vida em comum. A desigualdade se torna a política pública de fato, o que explica o porquê, por exemplo, da relutância do Estado em fazer cumprir a Lei 10.639, que obriga ao ensino nas escolas da história e da cultura afro-brasileiras.
Muito tem se falado em intolerância religiosa. E isso é bom. Demonstra que, pelo menos do ponto de vista do Estado, a situação se inverteu. Desde uma legislação que criminalizava especialmente as religiões afro-brasileiras no século 19, como charlatanismo, houve avanços significativos com a aprovação de leis e políticas públicas para garantir o direito à fé.
Mas em um ambiente político que envolve graves ameaças de golpes à democracia, há de se cuidar para que não ocorram retrocessos. Nesse sentido, foi uma vitória significativa a aprovação, no Rio, da lei estadual de autoria do nosso mandato negro e popular para a criação do Observatório Mãe Beata de Iemanjá, de monitoramento e produção de dados sobre o racismo religioso dirigido a praticantes de religiões de matrizes africanas.
Cada vitória da resistência precisa ser bastante celebrada, porque foi resultado de muita luta coletiva por uma liberdade que até hoje está longe de ser plena. Podemos considerar uma vitória não apenas simbólica, por exemplo, a criação do próprio Abril Verde, por outra lei de autoria do nossa mandato, junto de outros parlamentares, para o incremento de campanhas do Estado contra a intolerância religiosa.
Em recente solenidade do Abril Verde, o povo de santo ocupou o Parlamento com as suas vestes sagradas, os pés descalços, as cabeças erguidas, o som espiritual de suas vozes, atabaques e chocalhos. Tenho fé de que depois de uma noite dessas a Assembleia Legislativa não será jamais a mesma.
Renata Souza é deputada estadual (PSOL-RJ), cria da Maré, doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ
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