Publicado 08/05/2022 05:00
Foi a primeira vez que sonhei com os dois juntos. Meu pai e minha mãe. Já sonhei muito com eles. Já busquei explicação para os sonhos. A saudade. A vontade inominável de saber onde estão eles e como estão. A falta que fazem.
Meu pai se foi há muito. Lembro os dias que se seguiram à partida. Do chão sem chão. Das dúvidas que faziam minha cabeça trabalhar no fatigante ofício de nada responder. Meu pai se foi sem despedidas. Era uma festa de casamento. E, depois, o cansaço repentino. E, depois, as suas mãos nas minhas a caminho do hospital e, depois, o início da eternidade.
Sonhei com ele muitas vezes. Sempre feliz. Eu, por vezes criança, em outras mais crescido, querendo dizer a ele o que devia saber da minha vida. Era sempre assim. Em algum acontecimento lindo, eu sentia a sua falta, a falta do homem que compreendeu as minhas inquietudes, desde sempre, e eu queria dizer a ele que estava dando certo. E, no sonho, ele acenava com a cabeça a compreensão de que estava presente.
Minha mãe se foi logo depois de um dia das mães. Há dois anos. Dois longos anos que passaram como uma água passa entre os dedos, deslizando o que se quer segurar para sempre. Os sonhos com ela também foram sempre bonitos. As dores que ela sentia, nos dias finais, se converteram em sorrisos, em sorrisos ininterruptos. E como ela sorria bonito!
Já sonhei com ela no mar, boiando e descansando a cabeça nas minhas mãos de filho. Já sonhei com ela experimentando vestido novo para um novo dia. Já acordei sorrindo de algum instante bonito que ficou em mim. E já chorei depois. Os sonhos se interrompem quando acordamos. E é preciso acordar para prosseguir sonhando.
Pois bem, pela primeira vez, como disse, sonhei com os dois juntos. O sonho era nítido como nos dias em que as dúvidas nos descansam e permitem ao pensamento pensar em nada, apenas sentir. Eles estavam nus. Sim, meus pais estavam nus em meu sonho. Ainda não pesquisei o que isso significa. Não era uma nudez que chamava a atenção para a nudez. Era uma beleza ver os seus corpos abraçados sem nada que não fosse deles. Não reparei se era possível ou não ver o corpo todo dos dois. Vi o sorriso. Os braços enlaçados. O amor nos olhos fitos em mim. E foi, então, que eu disse a saudade. E foi, então, que eles disseram, com as vozes misturadas, com as vozes sendo uma, que sempre estiveram comigo.
Não lembro de mais dizeres. O sonho me pareceu longo. O sonho passou muito rapidamente. Acordei e tive um impulso de me levantar e ir até a cama dos dois como fazia quando era criança. Eu brincava de entrar no meio deles e de deitar o fim do sono entre os seus braços.
Não sou mais criança e a antiga casa em que morávamos já nem mais existe. Tento me lembrar se, no sonho, eles estavam na velha casa. Não. Não estavam em lugar algum. Estavam em mim. Sem nada que pudesse ligar ao mundo material. Mas os sorrisos eram os sorrisos de dias felizes. Talvez porque a tristeza não tenha autorização de viver onde hoje eles vivem. Nada de material. Nada de posses. Nada além dos sentimentos.
Pensei se disse mais alguma coisa no sonho, além de explicar a saudade. Nada mais era preciso dizer. A felicidade deles era tão impressionante que calou qualquer outra palavra.
Acordei com esse sentimento de amor preenchendo as raízes que deram as pernas para eu caminhar pelo mundo. Esse amor que embalou as minhas fragilidades e que me garantiu a coragem. Esse amor que não me roubou a fé de um dia viver o amor imaterial, pleno, perfeito.
Nas minhas imperfeições, vou viver ainda da saudade e vou sentir o vazio que eles deixaram em mim. Nas minhas imperfeições, vou cair muitas vezes sabendo que o colo deles não está mais por aqui para me abastecer de forças. Nas minhas imperfeições, vou chorar o choro dos espinhos que as roseiras teimam em me ferir, desprevenido que sou.
O sonho invadiu o meu dia e a minha alma como um banho perfumado de vida. De vida que prossegue mesmo quando não compreendemos. Nem tudo compreendemos.O que sei é que minha mãe sabe que hoje é dia de eu dizer: "Feliz dia das mães, mamãe, eu te amo muito".
Minha mãe sempre soube que eu reverenciei o sagrado do cordão umbilical. Uma vida alimentando outra vida. Para sempre. Nos nutrientes ou nos afetos. O que me alimenta hoje é a lembrança do amor mais lindo que me amou e que me prossegue amando.
A todas as mães, divido esse sentimento. Feliz dia! Feliz todos os dias!
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