Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação
Publicado 29/06/2022 06:00
A vitória de Gustavo Petro nas recentes eleições colombianas, um ex-guerrilheiro do M-19 que será o primeiro presidente de esquerda da história do país e que tem como companheira de chapa Francia Marquez, mulher afro-colombiana e ambientalista, possui enorme valor simbólico para o país e toda a região. Mas não permite a conclusão de que estamos diante do avanço de nova “onda rosa”, fenômeno que anos 2000 denotava a ampla ascensão de governos progressistas por toda a região.

De fato, sucumbir à tentação de juntar todos os governos de esquerda na América Latina, e já são mesmo muitos, sob uma mesma chave conceitual é ignorar as profundas diferenças e até antagonismos entre muitos deles e aplicar visão simplista e superficial sobre a realidade política subregional. É impossível negligenciar também o fato de que a direita ou centro-direita também teve vitórias importantes nos últimos anos, como a de Guillermo Lasso no Equador, país que nos anos 2000 teve o icônico Rafael Correa como presidente, e a de Lacalle Pou no Uruguai, encerrando 15 anos de governo da Frente Ampla no país.

É possível identificar dentre algumas das lideranças de esquerda latino-americanas, como Gabriel Boric e o próprio Gustavo Petro, a incorporação central de agendas que antes ficavam circunscritas a alguns círculos periféricos, mas não ganhavam centralidade institucional e partidária. É o caso da agenda feminista, com variáveis amplas e que não se resumem a bandeiras simbólicas como o direito ao aborto, bem como da temática ambiental e da questão indígena.

Essas matérias vieram complementar e aperfeiçoar o tradicional compromisso com o combate à pobreza e à desigualdade e a implementação de políticas redistributivas. A pluralidade e representatividade dessa nova esquerda revela cores e matizes variados, com mulheres, ambientalistas, negros e indígenas tendo uma incidência natural e intrainstitucional e partidária.
O Chile, onde, além do governo Boric, a Convenção Constituinte, igualmente plural e representativa, entregou há pouco a primeira versão da que pode vir a ser a nova Constituição do país em substituição ao documento herdado da era Pinochet representa um caso muito especial da consolidação de uma esquerda mais moderna e arejada, próxima dos moldes da social-democracia europeia, com baixíssima tolerância diante de excessos autoritários de outras lideranças como Nicolás Maduro na Venezuela e Daniel Ortega na Nicarágua, que ademais refletem muitas vezes posturas machistas, misóginas e homofóbicas, à semelhança de tantos governos de ultradireita mundo afora e até mesmo no Brasil.

Só para complicar ainda mais a equação da esquerdas latino-americanas há também nomes como Pedro Castillo no Peru, que tem bandeira econômica crítica ao liberalismo e seus dissabores, mas revela posições extremamente conservadoras em matérias de costumes. No México, o influente Lopez Obrador manteve relação de grande convergência e afinidade com a caótica, conservadora e nacionalista gestão Donald Trump, nos EUA, tendo inclusive sucumbido a uma renegociação do acordo NAFTA que trouxe inegáveis prejuízos ao país.

Fenômeno mais marcante do que uma possível nova "onda rosa", é o avanço de um populismo que pode vir pela direita ou pela esquerda do espectro político e que traz efeitos bastante perversos sobre o bom funcionamento das instituições e das franquias democráticas, com personagens tão variados como Bolsonaro no Brasil, Fernández na Argentina, Bukele em El Salvador, ou o derrotado candidato colombiano Rodolfo Hernández. Definitivamente, entender os pormenores da política latino-americana não é tarefa simples.
Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Uerj
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