Publicado 23/08/2022 06:00
Em fevereiro de 2022, iniciou-se a guerra Rússia-Ucrânia, que permanece sem solução até agora e está cada vez mais normalizada. Recentemente, foi obscurecida pelas tensões China-Taiwan, geradas pela visita da deputada democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA à ilha. A viagem seguiu-se a de uma comissão bipartidária de senadores (as) e deputados (as) republicanos (as) e democratas, que gerou mais trocas de acusações mútuas entre EUA e China.
Como resultado, as tensões parecem ter se deslocado da terra para o mar, da Europa para a Ásia, sem perspectiva de resolução. A recorrência e escalada de conflitos parece ser a tônica do novo normal pós-covid-19.
Essas crises parecem ser a continuidade das tendências iniciadas em 1989 com o fim da Guerra Fria. Os únicos pontos fora da curva no reordenamento do poder mundial teriam sido a recessão de 2008 e a pandemia, mas que foram resolvidos (pelo menos na aparência). Porém, a segunda década do século XXI traz uma importante distinção: as crises eurasianas e no Indo-Pacífico são representativas da quebra definitiva de compromissos assumidos pelas grandes potências na Segunda Guerra Mundial, e na bipolaridade no que se refere ao respeito às zonas de influência.
Dentre os acordos rompidos encontram-se a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao Leste Europeu, antigas repúblicas soviéticas e países nórdicos, e a desconsideração da “Política de Uma Só China”, que, na década de 1970, reconheceu a República Popular da China (RPC) como Estado e não mais Taiwan. Essas fraturas expõem o real embate: a inédita transição hegemônica EUA-China.
Inédita por ocorrer entre duas nações muito interdependentes economicamente (o que gera o dilema de como promover o desacoplamento), que tem como protagonistas uma nação de Primeiro Mundo e uma do Sul Global (antes “Terceiro Mundo”) e que foi capaz de realizar o catching up econômico-tecnológico perante estados desenvolvidos.
Além disso, a China pode, no médio prazo, ultrapassar esses concorrentes em setores-chave das cadeias produtivas globais, das revoluções das comunicações (5G) e da inteligência artificial, da cibernética, do meio ambiente e da infraestrutura e dominar rotas de trânsito de transporte e comércio.
Ao apoiar a Ucrânia contra a Rússia, ou Taiwan contra a China, os EUA fazem uso do mecanismo das “guerras por procuração”, pelo qual um ou mais pivôs regionais são apoiados para estrangular territorialmente adversários, gerar caos e permitir ganhar tempo. Essa ação aumenta a projeção bélica, promove o intervencionismo eurasiano e no Indo-Pacífico e contém outros competidores dos EUA: Japão, UE/Alemanha e a Índia. Qual o resultado desse processo?
Fala-se em desglobalização, o que não interessa nem aos EUA ou à China, que dependem da externalização para garantir seu crescimento. O que está em jogo é o controle da globalização geoeconômica e geopolítica. Esses fatores levam a uma coexistência competitiva-agressiva EUA-China. E os demais? Por enquanto, pode-se que dizer que na próxima década, cada crise terá novos coadjuvantes: Ucrânia e Taiwan foram os primeiros, quem serão os próximos?
Como resultado, as tensões parecem ter se deslocado da terra para o mar, da Europa para a Ásia, sem perspectiva de resolução. A recorrência e escalada de conflitos parece ser a tônica do novo normal pós-covid-19.
Essas crises parecem ser a continuidade das tendências iniciadas em 1989 com o fim da Guerra Fria. Os únicos pontos fora da curva no reordenamento do poder mundial teriam sido a recessão de 2008 e a pandemia, mas que foram resolvidos (pelo menos na aparência). Porém, a segunda década do século XXI traz uma importante distinção: as crises eurasianas e no Indo-Pacífico são representativas da quebra definitiva de compromissos assumidos pelas grandes potências na Segunda Guerra Mundial, e na bipolaridade no que se refere ao respeito às zonas de influência.
Dentre os acordos rompidos encontram-se a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao Leste Europeu, antigas repúblicas soviéticas e países nórdicos, e a desconsideração da “Política de Uma Só China”, que, na década de 1970, reconheceu a República Popular da China (RPC) como Estado e não mais Taiwan. Essas fraturas expõem o real embate: a inédita transição hegemônica EUA-China.
Inédita por ocorrer entre duas nações muito interdependentes economicamente (o que gera o dilema de como promover o desacoplamento), que tem como protagonistas uma nação de Primeiro Mundo e uma do Sul Global (antes “Terceiro Mundo”) e que foi capaz de realizar o catching up econômico-tecnológico perante estados desenvolvidos.
Além disso, a China pode, no médio prazo, ultrapassar esses concorrentes em setores-chave das cadeias produtivas globais, das revoluções das comunicações (5G) e da inteligência artificial, da cibernética, do meio ambiente e da infraestrutura e dominar rotas de trânsito de transporte e comércio.
Ao apoiar a Ucrânia contra a Rússia, ou Taiwan contra a China, os EUA fazem uso do mecanismo das “guerras por procuração”, pelo qual um ou mais pivôs regionais são apoiados para estrangular territorialmente adversários, gerar caos e permitir ganhar tempo. Essa ação aumenta a projeção bélica, promove o intervencionismo eurasiano e no Indo-Pacífico e contém outros competidores dos EUA: Japão, UE/Alemanha e a Índia. Qual o resultado desse processo?
Fala-se em desglobalização, o que não interessa nem aos EUA ou à China, que dependem da externalização para garantir seu crescimento. O que está em jogo é o controle da globalização geoeconômica e geopolítica. Esses fatores levam a uma coexistência competitiva-agressiva EUA-China. E os demais? Por enquanto, pode-se que dizer que na próxima década, cada crise terá novos coadjuvantes: Ucrânia e Taiwan foram os primeiros, quem serão os próximos?
Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)- Campus Osasco (SP), e dos Programas de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas Unesp/Unicamp/PUC-SP e em Economia Política Internacional da UFRJ
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