Paulo Betti é ator, diretor e produtor Divulgação
Publicado 10/11/2022 00:00
Eu estava em Lisboa em 2020 quando foi anunciada a pandemia da covid-19. Vi o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, na varanda de sua casa, respeitando o protocolo científico, diante da provável decretação da pandemia. Pouco sabíamos da tragédia que se aproximava. A postura do presidente português era uma representação de respeito à vida. Foi a última imagem que guardei do país que, tão generosamente, recebia a temporada de meu monólogo teatral “Autobiografia Autorizada”.

Cruzei Portugal percorrendo quinze cidades. Caminhei pelas ruas recebendo o carinho do povo e de tanta gente africana e de outros países que andam por aí. Tive que interromper a turnê e voltar para o Brasil por causa da crise sanitária. Jamais imaginaria que o desrespeito e a falta de empatia seriam, em tão baixo nível, a atitude do presidente brasileiro com relação à grave ameaça que a epidemia representava.

Aterrorizados, víamos as mais obscurantistas atitudes oficiais com relação à doença. O governo brasileiro trocou quatro ministros da Saúde durante a pandemia. Recusou a oferta das vacinas e desperdiçou a excelente estrutura vacinal do SUS, que o país possui. O nosso mandatário apostou na morte e conseguiu. Mais de 720 mil brasileiros morreram enquanto o representante da extrema-direita andava a cavalo, de jet sky ou motocicleta.

Imitava na TV a respiração ofegante dos contaminados, não usava máscara e não se vacinou. E debochava de quem tomava vacina dizendo que com os efeitos desconhecidos, “poderiam virar jacarés”. Acusava quem se protegia do vírus de não serem suficientemente másculos. O resultado foi que somos um dos países com mais mortos na equação com o número de habitantes.

Ele comprou a parte fisiológica do Congresso com emendas secretas e contou com a complacência de boa porção da elite econômica brasileira, que o ajudou a se eleger, apesar de conhecer sua índole homofóbica e misógina. Nossos indígenas, os maiores guardiões das florestas estão sendo assassinados. A maior reserva indígena brasileira está invadida por mais de 20 mil mineradores ilegais acusados de violar as mulheres e a floresta. Até mesmo um parque florestal na capital Brasília, teve 40% de sua área diminuída por um decreto presidencial. A venda de armas, estimulada pelo presidente,cresceu assustadoramente, assim como clubes de tiro se multiplicam por todo Brasil, dando preocupantes sinais.

Nesse momento em que me encontro novamente em Portugal, retomando a temporada da peça “Autobiografia Autorizada”, gostaria também de falar sobre a paixão que desenvolvi pelo escritor português Miguel Torga. Admiração que cresceu quando soube que ele viveu no Brasil de 1920 a 1925, período em que passou sua juventude trabalhando como vaqueiro na fazenda de um tio. Imaginem que marcante foi essa experiência para o escritor.

Nesse momento pós-eleitoral com a vitória da democracia brasileira também sou tomado pela agradável experiência de andar pelas alamedas de Lisboa e é como se eu estivesse filmando e planejando cenas de um filme imaginário. Me encontrar com o público português me apresentando em seus belíssimos teatros é um sentimento que me enche de alegria.

Enquanto desfruto novamente o carinho do povo português, compartilho com os leitores minha esperança com o destino do regime democrático em meu país, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Viva a democracia! Viva o aguerrido povo brasileiro.
*Paulo Betti é ator, diretor e produtor
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