opina15novARTE O DIA
Publicado 15/11/2022 00:00
Na madrugada de 15 de novembro de 1889 circulavam rumores – hoje seriam “fake news” – que o ministro do Império – o Visconde de Ouro Preto, equivalente a primeiro-ministro na Monarquia semiparlamentar do Império do Brasil, mandara prender alguns republicanos “históricos”, aqueles que faziam campanha pública pela instauração de uma República no país. Tais rumores acrescentaram à lista de possíveis presos o marechal Deodoro da Fonseca - herói ferido em combate durante a Guerra do Paraguai e considerado um monarquista sem mácula, exercendo cargos como presidente da Província de Mato Grosso, então uma fronteira perigosa e instável. O republicanismo, em especial Benjamin Constant, considerava a adesão do Marechal como fundamental para o sucesso do projeto de derrubada da Monarquia, daí a importância dos “rumores”.
O Imperador Pedro II estava velho, parecia cansado, e preparava-se o chamado “Terceiro Reinado”, com Isabel sendo coroada imperatriz e seu marido – muito malvisto -, o francês Conde d´Eu, como príncipe consorte. O Conde Luis Felipe Gaston d´Orleans (1842-1922) era acusado de interessar-se pouco pelo Brasil, ter uma visão preconceituosa do país, além de ser proprietário de inúmeros cortiços no Centro do Rio de Janeiro, que apesar das péssimas condições de vida, cobrava aluguéis altíssimos. Escritores como Adolfo Caminha referia-se constantemente aos “pardieiros” dos Bragança. A própria princesa imperial, Isabel, era apontada como uma mulher de pouca cultura, “carola’, sem grandes conhecimentos dos problemas do Brasil.
Caso o Brasil fosse, então, uma verdadeira monarquia parlamentar – onde um sistema eleitoral eficiente implica na vitória livre de um partido que indicaria o Ministro do Império para formar governo, questão da personalidade dos regentes do Império não seria tão problemática. Contudo, a Constituição Imperial de 1824 – autoritariamente outorgada por Pedro I – apresentava-se com um grande espaço de ação pessoal da Coroa.
Um dos maiores problemas da Constituição de 1824 era o estabelecimento dos chamados “Quatro Poderes”: além do Legislativo, Judiciário e Executivo era estabelecido um novo “Poder Moderador”, acima dos demais e exercido diretamente pelo Imperador. O Catolicismo era declarado religião oficial e todos os membros do Parlamento eleito deveriam ser exclusivamente católicos, e a Igreja era diretamente administrada pela Coroa, que nomeava e estabelecia os cargos eclesiásticos – o chamado padroado.
O Poder Moderador permitia, ainda, ao Imperador nomear os membros do Senado, que era vitalício. Também nomeava e suspendia os magistrados do Poder Judiciário, assim como nomeava e destituía os ministros do Poder Executivo e nomeava os presidentes (governadores) das províncias, os atuais estados.
Além de tudo, o voto era censitário, ou seja, só era permitido o direito de voto aos proprietários que pagassem impostos de um valor pré-estabelecido. É neste sentido que podemos dizer que o Império do Brasil, ao contrário do sistema clássico de monarquia constitucional, constituía-se num sistema “parlamentar de fachada”, permitindo amplos poderes a ação da Coroa.
O último Ministro do Império, o Visconde de Ouro Preto - Afonso Celso de Assis Figueiredo desafeto pessoal de Deodoro da Fonseca -, procurou fazer importantes reformas para atualizar, modernizar e democratizar o Império, contudo, sua nomeação em 7 de junho de 1889 já era, então, muito tardia.
O Império estava seriamente abalado em seu prestígio, em 1889, consequência das querelas havidas com a Igreja, suas relações com a Maçonaria e, principalmente, pela abolição da Escravidão no ano anterior, em 1888. O Visconde de Ouro Preto chegou a organizar um megaempréstimo junto aos bancos ingleses para indenizar os ex-proprietários de escravos – e, não aos escravizados. Tais medidas serão abolidas por Ruy Barbosa, quando ministro da Fazenda da República como “esmolas para a agricultura andrajosa”.
Deodoro evolui rapidamente: em vez de derrubar o Gabinete Ouro Preto, o que já seria um golpe de Estado, aceita a pressão dos republicanos e admite a prisão dos ministros de Estado e a derrubada da Monarquia, com o exílio da Família Imperial. No entanto, o Governo de Deodoro, iniciado logo no 15 de novembro de 1889, entraria em crise quase de imediato, com falta de coesão e arrebatamentos autoritários do marechal, que renuncia em 23/11/1891. A situação do país era caótica: forte crise econômica, perda cambial e inflação, além de ameaças de revoltas em grande parte do Sul do país. O vice-presidente – tal como o próprio Deodoro eleito indiretamente pelo Congresso Nacional – assume a Presidência, malgrado a acusação de novo golpe de Estado, já que a Constituição recém promulgada, em 1891, estabelecia que se “caso presidente ficasse inabilitado antes de dois anos decorridos do mandato” proceder-se-ia a novas eleições gerais. Floriano Peixoto, no entanto, argumenta que a cláusula se aplicava aos casos posteriores ao primeiro mandato, que não fora estabelecido por eleições populares e sim através de um mandato do Congresso Nacional – em 1985 José Sarney também tomou posse na qualidade de vice-presidente sem sequer o presidente eleito, também de forma indireta pelo Congresso Nacional, Tancredo Neves ter sido empossado como Presidente da República.
Floriano Peixoto governa, com mão de ferro, entre 1891 e 1894, lutando pela consolidação da República e instaurando as instituições republicanas. Enfrentou a Revolução Federalista e a Revolta da Armada e uma forte oposição por parte de altos oficiais do Exército que publicaram o chamado “Manifesto dos 13 Generais”, de 31/03/1892. Floriano ordenou a imediata passagem para a reserva dos signatários e a prisão dos organizadores do documento, restabelecendo a disciplina nas Forças Armadas. Para isso declarou o Estado de Sítio, em 1892, reformando as Forças Armadas e impondo novos comandos, impôs o exilio interno na Amazônia e uma ordem férrea em Santa Catarina, além de ameaçar o Supremo Tribunal Federal (STF), para que este negasse pedidos de Habeas Corpus impetrado por Ruy Barbosa.
A Constituição de 1891 organizou a República que Floriano entregou, constitucionalmente, em 1894, ao primeiro presidente civil, Prudente de Moraes. A discussão sobre a natureza de 15 de novembro de 1889 – chamado de “golpe de Estado” pelos monarquistas e, mesmo pelos republicanos mais liberais – permanece, em especial a partir de um artigo de Aristides Lobo (1838-1896) em que afirma que o povo “assistiu bestializado” a Proclamação da República. Contudo, a decadência do Império, a antipatia por Isabel e o Conde d´Eu, as péssimas condições econômicas do país, o estado da Cultura e da Educação e a não resolução da “Questão Servil” de forma a evitar o aprofundamento das desigualdades eram temas permanentes da nascente “opinião pública” no país. Pouco antes do 15 de novembro, em 15 de julho de 1889, o imperador foi alvo de atentado a tiros na saída do Teatro Sant’Anna, atual Teatro Carlos Gomes, na Praça Tiradentes.

A carruagem real evadiu-se em correria pela rua da Carioca até chegar ao Paço Imperial e conseguir segurança para o Imperador. No entanto, embora o ele não fosse atingido, a aura de imponência e sabedoria do Império já fora claramente ferida.
*Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ.
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