Publicado 04/12/2022 05:00
Sou mais jovem do que ela e ele é ainda mais jovem do que eu. Em um abrir de portas, reconheci o que, um dia, fui.
Ele abriu com a jovialidade de quem vive os inícios. E foi assim que li o fim. Ela veio logo depois. Os cabelos levemente molhados e a expressão de ponto final. Pediu licença a ele e, sem me convidar para entrar, autorizou a minha dor. Falei que uma história de amor não termina assim. Falou nada ela. Ofereci um choro, e ela não reagiu. Apenas disse que era preciso agradecer o tempo acompanhado. E pediu licença para entrar.
Entrou sem mim na casa em que entramos tantas vezes rindo e nos oferecendo para o prazer. Fiquei parado um tempo. Olhei as montanhas que assistiam impávidas aos entreveros humanos. O embate, agora, era comigo. Com as confusões que meus sentimentos fariam.
Entrei no carro. Nossas cidades não eram as mesmas, mas eram próximas. Dirigi olhando as devastadas paisagens, dentro e fora de mim. Fui percebendo os desmatamentos, clarões imensos provocados por descuidadosos homens que agrediam, sem comiseração, a natureza. A degradação, em mim, era fruto da entrega sem limites.
Ela foi o meu primeiro amor. Eu tinha acabado de completar 18 anos. Tudo o que havia experimentado, antes, era rio. Ela era mar. Nos vimos depois de um jogo de futebol. Eu havia feito três gols e ela assistia à partida com uma amiga, apenas. Veio me dar os parabéns. Perfumada, perfumou aquele instante. Nos amamos sem qualquer introdução. Diziam dela que ela era beleza sem compromisso. Que não se entregava a não ser ao prazer. Desacreditei. Seria a mulher da minha vida. Cuidaríamos de não desperdiçar o que sentíamos.
Desconfiei, algumas vezes, de traição . Desliguei as vozes que me traziam a notícia. E, a cada encontro, encontrava a quentura de seu corpo. Não havia desejo algum não atendido. Não havia nada além do entregar. Os sons que fazíamos era a prova do que sentíamos. No silêncio, nos observávamos. Nos movimentos sempre novos, nos surpreendíamos.Vez ou outra, ela dizia da diferença de idade. Que um dia pesaria mais. Eu jurava nunca deixar aquela cena. E ela chorava emoção.
O que aconteceu, então?
Seis anos depois, ela encontrou um outro, seis anos mais novo do que eu. Descobri tudo sobre ele. Sobre o seu não fazer. Descobri como se conheceram. Descobri alguns pecados que quis contar.
Seis dias depois, voltei à sua casa. E foi ele quem, novamente, abriu a porta. Perguntei por ela, e ele, seguro, não se intimidou. Foi logo chamando. Ela veio. Uma camiseta, presente meu, e um shorts que - brincávamos - a deixava mais linda. Ele se retirou, dizendo que a esperaria no quarto. No quarto que ainda ontem havia sido meu. Comecei a chorar; ela, não. Eu disse dos erros dele, ela maneou a cabeça com a impaciência de quem desacredita. Seus suspiros eram de cansaço com a minha insistência. Levantou a suspeita, em mim, de que, em dia nenhum, fui eu amado.
Levantei para sair e ainda olhei para trás sonhando alguma mudança. Foi, então, que prossegui na mesma estrada com ainda mais choro. Lembrei um tio dizendo, desde sempre, que homem não chora. Chorei, inclusive, os ditos errados que me disseram vida afora. Era de dentro de mim que jorravam dor e incompreensão. Como se descarta alguém que jura amor?
Minha mãe estava em casa, quando cheguei aturdido. Sentiu o acontecimento. Xingou a mulher que nunca gostou. Meu pai fazia horta no quintal. Fiquei com ele. Silenciosamente, agradando a terra na esperança da colheita.
Os dias se passaram até que, um dia, as paisagens foram mudando. Quando muda dentro, muda fora. E as mudas plantadas, no silêncio que sofri, começaram a germinar.
Um dia, conheci Regina e um diferente sol expulsou meus invernos. Ou parte deles. Já estávamos juntos, quando esbarrei na outra que me ofereceu sorrisos. Parei atencioso. Disse arrependimentos. Estava disposta a um recomeço. Perguntei do outro, seis anos mais jovem do que eu. Ela disse do fim. Meus sentimentos quiseram voltar o tempo e esquecer a pausa. Meus pensamentos não autorizaram. Fui gentil, apenas. E parti. Ela insistiu um jantar. Eu agradeci.
Fiquei desorientado por alguns dias. Não se arranca com os pensamentos o que se sente. Pedi ao tempo algum acelerar. Regina percebeu alguma confusão. Jurei não retroceder. Algumas noites, eu vivi os dois mundos. Beijava Regina e pensava a outra. A outra mulher. A outra história. A outra época, sei lá.
Um dia, passou. Sem que eu decidisse. Apenas, passou. Agradeci a valentia de prosseguir a vida nova, sem medo de novidades. A porta da rejeição ficou no passado. E o passado é cemitério de cadáveres.
Isso tudo foi há tanto tempo. E o tempo provou que estava certo. Não jogo mais futebol. Sou agrônomo. Cuido da natureza. Cuido de cuidar para que paisagens não sejam devastadas. Nem fora, nem dentro das gentes.
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