Mariana GinoDivulgação
Publicado 30/01/2023 06:00
O Brasil é um dos países em que a glorificação do passado colonial e a desumanização, seja pela intolerância religiosa ou pelo racismo, atuam de forma explícita. Infelizmente esta constatação não é subjetiva. Basta olharmos para os dados estatísticos apresentados no II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. Publicado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap) em parceria com a Unesco Brasil, apresenta dados quantitativos e análises qualitativas sobre o crescimento da intolerância religiosa no Brasil, na América Latina e Caribe.
Nos últimos anos, em que venho me dedicando aos estudos das Histórias das Histórias das Áfricas e Intolerância Religiosa no Brasil, um dos pontos que sempre se mostraram centrais para a promoção e solidificação das equidades religiosas em nosso país é a compreensão da intolerância como uma das vias de atuação do racismo, seja ele estrutural, cotidiano e institucional. Um rápido “giro decolonial” sobre a gênese da formação da sociedade brasileira, nos permite compreender que os impactos da intolerância religiosa sobre as relações sociais, políticas e culturais ainda estão sendo alimentadas cotidianamente pelos racismos.
É importante pontuar que, muito embora a intolerância e o racismo estejam conectados por serem frutos do projeto colonial, essas violências nem sempre vão operar juntas sobre a sociedade brasileira. Ambas as violências coloniais forjaram relações e hierarquias sociais, culturais, religiosas e espirituais com base na superioridade construída e fortalecida durante o estabelecimento da colonialidade europeia sobre o continente americano e a ampliação das relações com o continente africano.
Destarte, a intolerância religiosa e o racismo como herdeiros dos processos de colonização, colonialidade do poder, em solo brasileiro protagonizam o acirramento das violências simbólicas que naturalizam as diferenças culturais, religiosas, espirituais e fenotípicas. É importante pontuar que mesmo não vivendo sobre a dominação colonial europeia, podemos dizer que em nossa sociedade a cultura colonial ainda se faz presente dentro das relações cotidianas produzindo uma classificação hierárquica com base na diferença construída sobre o outro.
Essa diferença que outrora era “justificada” biologicamente passou a ser recodificada de forma discursiva. Sim, pois intolerância e racismo são discurso, colonialidade do saber, antes de se tornarem violências físicas, psicológicas e patrimoniais.

Assim, a decolonialidade do diálogo inter-religioso precisa ter por essência a crítica e desconstrução da lógica da colonialidade que promovem as relações de poder e de dominação colonial. A decolonialidade do diálogo inter-religioso precisa ser um ato de desaprender da lógica de um único mundo possível e se abrir para a pluralidade de vozes, caminhos e experiências religiosas.
Um ato de abertura e fortalecimento pelo direito à diversidade de ser, diversidade do pensamento, diversidade das liberdades de culto e de credos. A decolonialidade do diálogo inter-religioso é em si um ato de tolerância.
Mariana Gino é secretária-geral do Centro Internacional Joseph Ki-Zerbo pour l'Afrique et sa Diaspora/N'an laara an saara.
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