Publicado 17/03/2023 06:00
O Brasil é um país marcado por desigualdades sociais e econômicas, mas também pela diversidade cultural. A cidade do Rio de Janeiro, por sua vez, não é uma exceção a essa realidade. Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), o município é composto por mais de 1.077 favelas, aglomerados subnormais e assentamentos precários. Na Cidade "Maravilhosa", há aproximadamente 740 mil domicílios enquadrados em situação de aglomerados subnormais. Nessas áreas, o acesso a serviços básicos, como água, saneamento, transporte e saúde é limitado, a infraestrutura é inadequada e a violência é uma presença constante.
O título deste artigo trata de um movimento consciente e eventualmente involuntário, forjado pela necessidade, pois surge como resposta às ações que promovem a exclusão social e a mercantilização dos espaços urbanos. Na ausência do acesso a direitos, garantidos pela Constituição, mas que não se materializam na prática, a pergunta que emerge é: como as favelas conseguem sobreviver em meio às lacunas deixadas historicamente pelo poder público?
Eu diria que somente a partir da prática da chamada cidadania insurgente, um conceito que se refere à capacidade dos cidadãos de se organizarem e resistirem às políticas excludentes e injustas do Estado e do mercado. Ela é marcada pela participação ativa dos cidadãos na tomada de decisões e na construção de soluções coletivas para problemas sociais e de infraestrutura. Essas ações têm como objetivo transformar a cidade em um espaço mais justo e sustentável, onde as necessidades e os direitos possam ser respeitados.
A cidadania insurgente também está relacionada ao conceito de direito à cidade, que se refere à ideia de que todos têm direito a participar da vida urbana e de usufruir dos benefícios que a cidade oferece. A ausência de CEP, por exemplo, expõe a desigualdade, através do desconhecimento dos moradores da cidade formal, desconsiderando a favela como parte da cidade.
As ruas das favelas não fazem parte da cidade? Isso implica em ação pública que promova o acesso igualitário aos serviços de infraestrutura e equipamentos urbanos, à moradia digna e ao transporte de qualidade, segurança, entre outros direitos contidos na urbe formal. E a favela é ou não um urbanismo da resistência? De que forma ela busca suprir seus déficits de infraestrutura?
Podemos dizer que temos um “Rio-cidade-favela”, que enfrenta desafios significativos e variados, como levantar suas paredes e vigas de forma independente (autoconstrução), a cotidiana repressão policial, combinada com a criminalização dos movimentos sociais, a romantização e a responsabilização por sua pobreza, além, é claro, da explícita resistência dos setores conservadores da sociedade.
Em resumo, é curioso como a cidade formal legitima e naturaliza a violação dos direitos nas áreas informais, mas quando o asfalto é violado, seja por um “buraco não tapado”, seja por uma árvore que não foi podada, rapidamente seus moradores viram ativistas e essas questões são resolvidas.
As favelas do Rio, em suma, são uma expressão da cidadania insurgente e da batalha pelo direito à cidade. Elas representam um movimento global de luta por uma convivência mais justa e saudável, lideradas por movimentos sociais, organizações da sociedade civil e cidadãos engajados. Esses fluxos têm o objetivo de resistir às políticas neoliberais que promovem a exclusão social e a mercantilização dos espaços urbanos, agenciando ações coletivas, como mobilizações, ocupações de espaços públicos e privados, campanhas de conscientização e de pressão política. E haja pressão para serem vistos e ouvidos sem a tal audição seletiva da má-fé institucional!
Allan Borges é subsecretário estadual de Infraestrutura e Cidades e doutorando em Direito da Cidade pela UERJ
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