opina28marARTE KIKO
Publicado 28/03/2023 06:00
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A simbólica viagem de Xi Jinping a Moscou, pouco mais de um ano após o início da guerra na Ucrânia, evidencia o empenho de chineses e russos em fortalecer sua denominada “parceria sem limites”. Tudo isso em um contexto de avanço de tensões internacionais e rusgas entre as grandes potências, com os Estados Unidos tendo derrubado recentemente suposto balão de espionagem chinês sobrevoando o país e também a queda de drone militar norte-americano no Mar Negro, alegadamente abatido por caça russo.
Entre Rússia e China há claro interesse compartilhado em consolidar a transição para uma nova ordem internacional, mais plural e multipolar, onde não se aceitará mais a hegemonia norte-americana e a prevalência inquestionável dos valores liberais ocidentais. O avanço do poderio econômico chinês nas últimas décadas e o extraordinário peso assumido pelo gigante asiático nas cadeias globais de valor e no comércio internacional agora se somam ao avanço da proeminência chinesa em temas variados como tecnologia e meio ambiente.
Ao mesmo tempo, a diplomacia chinesa ganha maior projeção global, capitaneando esforços de mediação em tabuleiros geopolíticos sensíveis e até bem pouco sob a influência exclusiva de Washington e Moscou, como o Oriente Médio. De fato, o recente anúncio da retomada das relações diplomáticas entre Arábia Saudita e Irã só não surpreendeu mais do que o fato de o acerto ter sido possível graças à intermediação chinesa.
Nessa lógica, vem o plano apresentado pela China para a busca de um cessar-fogo na Ucrânia, composto por 12 pontos, mas ainda bastante obscuro em questões delicadas, como o que fazer com as províncias e territórios ucranianos ocupados ou anexados pelos russos. A aparente boa recepção da proposta, e da disposição chinesa em atuar pela paz, tanto por Kiev como por Moscou, contrastou ativamente com as críticas vindas dos membros da OTAN e dos Estados Unidos, que questionam a neutralidade chinesa no conflito e não admitiriam ver a diplomacia chinesa ganhar os louros pela solução da crise.
Em paralelo aparece o Brasil de Lula, que não tem nenhum interesse em escolher um lado nessa disputa global entre Estados Unidos e China. Na verdade, as melhores tradições diplomáticas do país apontam para a necessidade de se buscar uma relação de confiança com ambos os lados, sem alinhamentos automáticos a quem quer que seja.
Os Estados Unidos de Biden podem ser muito úteis para o Brasil na defesa da democracia, especialmente nos tempos sombrios que correm de extremismo político em ambos os países, e também na agenda ambiental, onde os norte-americanos se comprometeram a participar do Fundo Amazônia durante a recente visita de Lula a Washington.
A China, por sua vez, é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009 e mostra-se muito relevante em investimentos e financiamentos para a Economia brasileira. Ademais, compartilha com o governo Lula o interesse em construir uma ordem internacional mais justa e inclusiva, onde haja maior voz e participação dos países do sul global.
Foros como o BRICS e a ênfase na cooperação sul-sul voltam a ganhar maior relevância com o novo governo brasileiro e têm na China um natural aliado. A viagem de Lula a Beijing, aliás, terá uma agenda e alcance muito mais amplos do que a realizada aos Estados Unidos, além de contar com uma comitiva maior, com amplo número de ministros e autoridades, bem como de empresários interessados em aprofundar negócios e identificar oportunidades no mercado chinês.
Em um mundo crescentemente pós-ocidental, o Brasil não pode renunciar às parcerias com países como China e Rússia, mesmo que haja divergências agudas em valores e princípios. Ao mesmo tempo, é imperativo conseguir preservar as parcerias tradicionais com o norte global, mas sem subordinação ou subserviência. Pode parecer difícil, mas é o único caminho possível para um país sem excedentes de poder como o Brasil.
Paulo Afonso Velasco Júnior é professor de Política Internacional da Uerj
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