Publicado 03/06/2023 06:00
A indicação, pelo presidente da República, do advogado Cristiano Zanin para o STF é antes de tudo a vitória do Estado de Direito e do direito de defesa. Num momento de irresistível ascensão do fascismo, os que defendem as liberdades precisam ser alteados. O papel dos advogados é mal compreendido. Confunde-se a defesa do acusado com a defesa do fato imputado. Quando todos se voltam contra um, resta apenas uma esperança: alguém que o defenda.
Em processos rumorosos atuam contra o acusado a polícia, o Ministério Público, a mídia, a opinião pública, os diretamente interessados e, não raro, os demais agentes do sistema de Justiça. Alguém precisa submeter o linchamento ao devido processo legal e para isto existem os advogados. Quando independentes e altivos, os advogados são essenciais para a democracia e Estado de Direito. “O advogado é indispensável à administração da justiça”. Está na Constituição.
Advogados sempre foram malvistos pelos ditadores. Napoleão Bonaparte fechou a instituição que agregava os advogados na França e mandou cortar a língua de advogados que lhe faziam oposição. Hitler proibiu que os excluídos de direitos fossem defendidos por advogados, a quem qualificava como figuras desprezíveis. Mussolini, em uma só noite, mandou incendiar 40 escritórios de advocacia.
No Brasil, o general-presidente João Figueiredo, numa das suas declarações estapafúrdias chegou a sugerir que o Maracanã fosse alugado para prender os advogados, como única forma de executar sua política. Durante a ditadura empresarial-militar no Brasil, advogados foram sequestrados e intimidados. Dentre as vozes que não se calaram durante o aquele regime estão Sobral Pinto, Modesto da Silveira, Heleno Cláudio Fragoso, Marcelo Cerqueira, Eny Moreira e o jovem Técio Lins e Silva.
O primeiro grande manifesto da sociedade civil contra o regime empresarial-militar ocorreu em agosto de 1977, quando o professor Goffredo da Silva Telles Junior, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, leu a ‘Carta aos Brasileiros’, na qual denunciava a ilegitimidade do governo e o estado de exceção em que vivíamos. Na carta foi proclamada a necessidade de restabelecimento do Estado de Direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Reconhecendo que não mais representava a sociedade, o regime procurou quem fosse seu interlocutor com ela. O papel coube ao presidente nacional da OAB, Raimundo Faoro.
Em suas defesas, diante do lawfare que se institucionalizou nos últimos anos, o advogado Cristiano Zanin atuou com desassombro. Em 2016 houve tentativa do então juiz Sérgio Moro de atacá-lo durante uma audiência, um dia depois de ter ajuizado uma ação contra o procurador do PowerPoint. O ex-juiz aproveitou seu momento de exercício de poder que o cargo lhe conferia para ironizar a defesa e sua linha de atuação. Em 2020 teve a casa alvo de mandado de busca e apreensão emitido pelo juiz Marcelo Bretas, numa clara intimidação. Em janeiro deste ano foi hostilizado em um banheiro no Aeroporto de Brasília. Impávido como Muhammad Ali atuou com admirável paciência.
O advogado Cristiano Zanin é da estirpe do Sobral Pinto. Dr. Sobral remeteu, em 18/09/1937, carta para Leocádia Prestes, que estava na Alemanha nazista tentando repatriar a neta, filha de Olga com Luiz Carlos Prestes, onde escreveu: “Perdemos o Dr. Lassance e eu, todo o dia de ontem no esforço, até agora vão, de levar um tabelião ao presídio onde está o filho de V.Exa., a fim de lavrar uma escritura pública de reconhecimento, por parte de Luis Carlos Prestes, de sua filha Anita Leocádia. Só encontramos má vontade e medo. Todos temem sofrer a campanha, que já está sendo feita contra mim, de serem proclamados delegados do Comintern, a soldo de Stálin. Certamente V.Exa. já se acha informada de mais esta perfídia inventada contra o modesto advogado, que, fiel discípulo de Jesus Cristo, tem sabido, até este instante, colocar os deveres de sua consciência religiosa acima de suas conveniências pessoais. (...) Consolo- me, porém, com as declarações do filho de V.Exa. feitas de público, de que ‘estando cercado, na Polícia Especial, só de vermes, apareceu-lhe, afinal, um homem’. Este homem fui eu. Mais adiante, na sua defesa oral, acrescentou: ‘O Sr. Sobral Pinto exerce a advocacia como um sacerdócio’.
Que mais poderei eu ambicionar nesta causa, da parte deste meu cliente ex-officio? Da parte dos juízes e da administração quero muito mais ainda, pois, até agora, não me atenderam no que venho pleiteando: Justiça”.
Advogados hão de ser como Sobral Pinto, Modesto da Silveira e Cristiano Zanin em defesa de quem precisa ser defendido, em defesa das liberdades e da democracia. Sua nomeação não é um prêmio por sua atuação, mas reconhecimento de seu notável saber jurídico, reputação ilibada e compromisso com o Estado de Direito. O STF ganha um elevado magistrado, talhado na defesa do direito de defesa e o Brasil mais um ministro conhecedor do devido processo legal. Ganhamos todos!
João Batista Damasceno - Doutor em Ciência Política (UFF), professor adjunto da UERJ e desembargador do TJ/RJ membro do colegiado de coordenação regional da Associação Juízes para a Democracia/AJD-RIO.
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