Publicado 07/08/2023 00:00
O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra. Mas o que isso significa?
No direito penal, a legítima defesa é uma excludente de ilicitude. Traduzindo: mesmo quando o agente praticou uma conduta que a lei penal prevê como crime, se essa conduta se dá em condições de legítima defesa, a lei a considera justificada e quem praticou a conduta não é punido.
Na lei brasileira, legítima defesa corresponde à ação de alguém para “repelir uma agressão injusta, atual ou iminente”. Assim, se João está prestes a agredir Pedro e Pedro agride João antes, para se defender da iminente agressão, Pedro age em legítima defesa e sua conduta é legalmente justificada.
A tese da legítima defesa da honra parte do princípio de que a honra – percebida como um atributo masculino vinculado à virilidade e à vida familiar do sujeito – é um bem jurídico digno de proteção, de modo que a sua defesa justificaria a prática de condutas criminosas, inclusive as mais graves, como o homicídio.
O argumento da legítima defesa da honra é utilizado em tribunais no Brasil desde o século XIX. Continua, até hoje, sendo invocado em processos criminais.
Os crimes como homicídio e feminicídio são crimes contra a vida julgados pelo Tribunal do Júri. A decisão acerca da condenação ou absolvição do réu é uma decisão dos jurados – cidadãos convocados para compor o júri – e não uma decisão de um juiz técnico.
Assim, os jurados podem absolver ou condenar o acusado e não precisam justificar essa decisão.
Assim, os jurados podem absolver ou condenar o acusado e não precisam justificar essa decisão.
No entanto, quando a decisão dos jurados é contrária à prova dos autos, cabe recurso. No julgamento do recurso, em segunda instância, os julgadores não podem absolver ou condenar o acusado. Podem, em contrapartida, invalidar a decisão dos jurados e determinar a realização de novo júri.
Quando a tese da legitima defesa da honra era apresentada nos tribunais e o réu era absolvido, costumava ocorrer a interposição de recurso pela acusação, requerendo a realização de novo júri. Algumas vezes, os tribunais entendiam que a absolvição deveria ser mantida, ainda que fundada na legítima defesa da honra. Em outras, os tribunais entendiam que a absolvição era contrária à prova dos autos e determinavam a realização de novo júri.
Chama a atenção que esse tema ainda esteja presente em ações criminais. Que ainda existam jurados que entendam que a proteção de uma suposta honra masculina justifique um crime contra a vida e que tribunais ainda confirmem essas decisões.
Agora, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a legítima defesa da honra não pode ser admitida como modalidade da excludente de ilicitude. Determinou que o dispositivo do Código Penal que dispõe sobre a legítima defesa deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, de modo que interpretações que admitam a legítima defesa da honra como forma de legítima defesa violam os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade de gênero. Com essa decisão, a Suprema Corte busca encerrar a controvérsia sobre o tema.
Na prática, como os jurados não expõem publicamente as razões pelas quais eventualmente absolvem um acusado, o que a decisão do Supremo Tribunal Federal proíbe é a própria apresentação da tese. Ou seja, em casos de feminicídio, as defesas não podem mais argumentar para os jurados que o réu agiu em legítima defesa da honra. Se fizerem isso, todo o processo perante os jurados será anulado.
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