Publicado 01/09/2023 00:00
A advocacia conseguiu, mesmo na ditadura, deflagrada no Brasil, em 1964, fazer com que a Justiça Militar cumprisse o papel de não permitir que fosse instalada no país uma justiça de exceção. O estado era de exceção mas a Justiça não. Hoje vivemos em um estado Democrático de Direito, temos eleições diretas e uma democracia em permanente processo de fortalecimento. Se por um lado amadurecemos a democracia, por outro somos revisitados pelos fantasmas de outrora. Não são raras as demonstrações de autoritarismo por parte de representantes dos três Poderes da República. Há punições em excesso e ainda se aplica a tortura como método de "confissão" nos porões das delegacias e penitenciárias do país.
No âmbito do Poder Judiciário, são os advogados as maiores vítimas desses resquícios ditatoriais, comumente apresentados sob um manto democrático.
Certa vez, ao despachar um habeas corpus com um ministro de corte superior, ele me perguntou qual era o crime. Respondi: "Estelionato", ao que ele retrucou: "Não gosto de estelionato", e eu perguntei: "E de qual crime o senhor gosta? De crime contra os costumes, sedução?". Estava ali para defender o acusado de estelionato, numa perspectiva de que era inocente e possuía direitos que deveriam ser respeitados. Não se pode admitir que o advogado que defende um criminoso seja a ele equiparado. O advogado não defende o crime. O direito de defesa não pode ser desvirtuado por uma equivocada lógica que confunde o advogado com o cliente.
A relevância do sigilo profissional é tamanha que, quando presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, as informações de seus clientes devem ser preservadas (art.7, inciso XX, 6, do Estatuto da Advocacia). Mas na Operação Lava Jato os escritórios foram invadidos: computadores e arquivos de clientes foram devastados, e a ação fundamentada em mandados de busca e apreensão genéricos que afrontam a legalidade.
Advogado não pode, por exemplo, ser reponsabilizado criminalmente pelo delito de lavagem de dinheiro do seu cliente desde que receba seus honorários formal e regularmente, sem qualquer ato de ocultação ou dissimulação destes. Adotar entendimento diverso impossibilitaria que o acusado frequentasse um restaurante, fosse assistido por seu médico ou dentista, fizesse compra em um supermercado. Todos seriam receptores em potencial.
Como em qualquer profissão na advocacia há os que se acumpliciam ao cliente e merecem ser punidos. Por isso necessitamos de Tribunais de Ética que funcionem punindo os que envergonham a classe. Contudo não representam a maioria dos 1.3 milhão de advogados brasileiros.
Há alguns crimes, considerados graves, que carregam em si uma dose de preconceito. O fato de o réu ter sido denunciado já faz dele um condenado e, não raras vezes, esse estigma é passado ao seu defensor, que sofre o mesmo olhar de repulsa por parte do MP, do juiz e, em casos de repercussão midiática, da sociedade.
Mas não é de pessimismo que se forja a advocacia. Se soubermos reagir quando nada mais nos parecia favorável, é possível reagir em tempos democráticos, reforçando lemas tão fortemente defendidos pelo Estatuto da Advocacia. Somos indispensáveis à administração da Justiça! É hora de união de nossa consciência profissional, mais do que nunca saber o papel que representamos para a democracia.
* Técio Lins e Silva é advogado, jurista, professor, ex-secretário de Estado de Justiça do RJ. Presidiu o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen). Ex-procurador-geral de Defensoria Pública do Estado do RJ; ex-membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Presidiu o Instituto do Advogado Brasileiro (IAB)
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