Publicado 03/09/2023 00:05
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Era um dia quente, de um verão quente, de um sentimento quente. Eu estava inteira, mas com o temor dos que se submetem a uma prova. A vida é prova diária. Nem sempre acertamos. Mas era dia de acertar.
Eu ia defender meu mestrado, em uma das mais importantes universidades do mundo, a antiga Coimbra. Meus pais estavam comigo. Meus pais são fortaleza e afeto. Meus pais são horizonte e proximidade. Meu pai escolheu o ofício de lutar, incansavelmente, pela dignidade humana e pelos princípios que a garantem, como a democracia. Minha mãe é, também, advogada de causas nobres, inclusive da causa maternal de cuidar. Os que conhecem a firmeza de meu pai desconhecem, talvez, a docilidade do seu trato com os filhos, com os amigos, com os mais simples que, simplesmente, confiam nele para melhorar o mundo.
Tenho uma irmã mais nova, estudante de medicina, disciplinada na estrada de aprender a tirar a dor das pessoas. Conversamos muito sobre as provas diárias da vida. Nos ajudamos mutuamente. Já choramos e sorrimos juntas, como deve acontecer aos que estendem a mão para compartilhar cotidianos. Meu irmão gêmeo, Alexandre, fez direito como eu. É valente nas opiniões fundadas em estudos e observações.
Pois bem, era o dia da minha defesa de mestrado. Estavam eles comigo. Uma banca começou a examinar o que produzi e a perguntar sobre o que concluí dos aprendizados. Era um dia de verão, como disse, eu estava, na medida do possível, segura. Segurança nascida da minha disciplina de trabalhar com as dúvidas, de ampliar repertórios e de escrever ideias.
No café da manhã, sorri a família que tenho. Temos humor, brincamos uns com os outros. Temos amor, cuidamos uns dos outros. E, nesse exercício do cuidar, vi os olhos do meu irmão olhando os meus. Seu incômodo com as horas que não passavam era maior que o meu. Quando começou, era ele o mais preocupado. Meu pai mexia a cabeça e dizia que daria certo. Minha mãe abraçava a minha conquista até ali. Minha irmã sussurrava palavras de confiança. Meu irmão disse nada.

Os examinadores foram desfilando saberes. Enquanto falavam, eu ganhava segurança. E tudo aconteceu como a vitória de um dia bom. Passei nessa prova que escolhi escrever como uma das tantas provas da minha vida. Quando meu irmão gêmeo me abraçou, uma memória bonita brincou com as minhas emoções. Nos abraçamos desde antes de conhecermos esse mundo grande. Viviane, nossa mãe, foi nos nutrindo com o seu melhor. Uma vida antes da vida que conhecemos. Uma vida dentro de uma vida que nos amou antes de sermos. Não, já éramos. Irmãos gêmeos abraçando os dias que sucediam dias e que nos davam a formação necessária para rompermos aquele primeiro mundo e nascermos. Se o aconchego do ventre da mãe se encerra, o aconchego da família encerra muitos medos. Outros são necessários para nos proteger, para melhorarmos a caminhada na travessia da vida.
A aprovação do meu mestrado foi apenas um detalhe na gratidão da família que tenho. Gostamos de estar. Gostamos de gastar boa parte da vida compreendendo que a vida é amar. Quando vou cedo ao escritório em que trabalho com a minha mãe e com o meu irmão, quando nos debruçamos em casos que mudam a vida das pessoas, quando simplesmente conversamos sobre o almoço daquele dia ou quando chegamos em casa e os nossos cãezinhos nos latem alegrias, sentimos que é tudo muito bom. Mesmo os cansaços, mesmo as machucaduras das lutas que temos que lutar, é tudo muito bom.
Era um dia quente, de um verão quente e estávamos em família. Nos dias frios, também estamos. Nos agasalhando. E, nas primaveras, sabemos compartilhar a beleza do viver acompanhado, do viver bem acompanhado.
Meu irmão gêmeo, que bom que viemos juntos sentir o mundo!
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