Publicado 02/09/2023 00:00
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O déficit primário (despesas menos receitas não financeiras) consolidado de R$ 80,5 bilhões, ou 0,78% do PIB, que acaba de ser anunciado para o setor público como um todo nos últimos 12 meses encerrados em julho último, torna mais nítida a piora dos resultados fiscais do país. Ele vem pressionando mais intensamente a dívida pública para cima desde julho/22, algo que se intensificou ainda mais de maio/23 para cá.

Isso tem muito a ver com a enorme transformação que tem ocorrido na estrutura do gasto público desde 1987 - um ano antes da última grande reforma constitucional - em decorrência de mudanças relevantes nas prioridades da atuação do nosso setor público, que decidimos (ou fomos levados a) por em prática. Destaca-se, aqui, o forte crescimento real dos gastos em Previdência (onde, em ordem decrescente, primeiro se destacou o dos regimes próprios municipais, depois o dos estaduais e o da União, seguindo-se finalmente o do RGPS), o que, para compensar, acabou levando à desabada dos investimentos públicos em infraestrutura, ante uma parcela privada estável ao redor de 1,1% do PIB, e provocou a desabada do crescimento do PIB.

Ou seja, embora isso seja pouco reconhecido, foi o predomínio de elevados déficits previdenciários na formação dos déficits primários totais (o que trouxe concomitantemente a acumulação de gigantescos passivos atuariais nesse processo, algo em geral não muito bem percebido), que, visto de hoje, explica o forte crescimento da dívida pública e da queda do crescimento do PIB em nosso país nos últimos anos, sem falar no aumento das preocupações verbalizadas no seio dos mercados financeiros com os rumos da economia brasileira, dentro da visão contrária ao aumento do endividamento público que tem predominado há bastante tempo em países como o nosso.

Em resumo, se olhássemos para trás, estaríamos chegando, em 2021, a uma dívida pública consolidada líquida (DCL) de R$ 5,7 trilhões, por sua vez decorrente, em parte, de um déficit primário alimentado principalmente por um déficit previdenciário expressivo, e, em parte, pela conta de juros sobre a dívida pública mais outras despesas não financeiras líquidas. Já se olhássemos para a frente, veríamos algo hoje muito pouco percebido, que é um passivo atuarial altamente exigível dos regimes próprios da ordem de R$ 5,3 trilhões, que precisaria ser equacionado (isto é, zerado) para permitir uma gestão macroeconômica mais tranquila. Tenho sugerido, para isso, que, além de uma série de outras medidas de menor dimensão, deveríamos aportar à Previdência pública o valor presente dos Royalties do Petróleo (algo ao redor de R$ 3,4 trilhões), além de outros ativos relevantes como os recebíveis relacionados com a extensão da EC 103/19, a todos os entes que não haviam conseguido aprovar essa medida para seu próprio benefício, algo que, se aprovado por emenda constitucional, poderia chegar a R$ 0,4 trilhão de aporte adicional de recursos. Finalmente, cabe considerar a possibilidade de aportar também à Previdência recebíveis como os relacionados com a chamada "dívida ativa".
Raul Velloso
Consultor econômico
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