Publicado 09/09/2023 00:00
A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) convidou notáveis juristas nacionais para debate sobre a investigação defensiva. O evento será realizado pelo Forum Permanente de Sociologia Jurídica da EMERJ e ocorrerá no próximo dia 20, com transmissão pela internet. O ponto de partida para a análise serão as ocorrências na Operação Lava Jato, notabilizada pela atuação dos agentes do Sistema de Justiça à margem da lei a pretexto de exigir de outros o cumprimento dela.
Na investigação acusatória regularmente processada, um delegado apura, sigilosamente, um fato criminoso, certificando-se de sua efetiva ocorrência e lista os possíveis autores da ilegalidade. Finda a apuração o delegado de polícia remete um relatório ao Ministério Público, que formula uma acusação perante a Justiça. Mas as pessoas que gerem este processamento não são deuses, nem demônios. São seres humanos capazes dos mesmos erros, se o sistema não estiver adequadamente sujeito a controle e responsabilização.
No nosso sistema, nem o promotor nem o juiz analisam os fatos. O que se analisam são as reconstituições históricas do evento. O fato é evento na realidade natural, que ocorre e se esvai. O que pode restar são registros e possibilidades de reconstituições. Daí que a fidedignidade destas reconstituições precisa ser honestamente observada para evitar que o processo se desenvolva de forma fantasiosa.
Em data recente, um diligente juiz fluminense anulou interceptações telefônicas, porque advogados dos acusados descobriram que os números dos telefones de onde teriam partido as conversas imputadas aos seus clientes não pertenciam a eles. Nos autos do processo, havia a transcrição das supostas conversas. O juiz mandou oficiar à companhia telefônica e descobriu que os números sequer estavam habilitados pela empresa de telefonia; os números inexistiam. Alguém, em sede policial, inventou as conversas, as transcreveu e as atribuiu a um número telefônico. O fato já havia ocorrido no 'Caso Amarildo', quando foi detectado que as transcrições não correspondiam ao que estava gravado. Numa operação policial chamada de 'Olho de Boi', igualmente foi aventada a possibilidade de que gravações tivessem sido editadas, o que implicou sério conflito institucional quando descoberto o problema. A perita da Polícia Civil que detectou a falha hoje atua na Defensoria Pública, propiciando melhor exercício do direito de defesa.
Se o relatório final do inquérito relata uma fantasia e esconde a verdade, o Ministério Público não tem outra forma de atuação senão com base no que conste em tal relatório. Se a acusação feita perante a Justiça igualmente não retrata a realidade, o juiz pronunciará uma sentença sobre o que lhe foi relatado e supostamente provado. Em ambas as situações, as atuações dos agentes do Estado estarão fundadas em fantasia e não na realidade.
Um caso emblemático vitimou o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, o CAU. No auge das ilegalidades operadas pelos agentes da Operação Lava Jato, em 14 de setembro de 2017, o reitor e outros professores foram conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal (PF), preso e posteriormente impedido de se aproximar da Universidade pela qual dedicava sua vida. Ao reitor Cancellier foram formuladas absurdas ilicitudes hipotéticas, sem base na realidade. Ele foi vítima de medidas violentas, injustas e desnecessárias, dentre as quais ilegal condução coercitiva, prisão temporária e afastamento cautelar do cargo.
Na época da operação, não havia qualquer acusação formal contra o reitor. Tratava-se de apuração de possíveis fatos que sequer teriam ocorrido em sua gestão. As decisões foram desnecessárias e arbitrárias. Tudo ocorreu no contexto do lavajatismo, quando certas autoridades disputavam quem acenderia maior fogueira para queimar quem consideravam hereges. O professor Cancellier foi tratado de maneira abusiva, jogado numa cela da penitenciária e impedido de exercer a função pública, sua razão de viver. Não havia evidência de qualquer ilícito por ele cometido e não houve contraditório. Mesmo que se estivesse diante de eventuais anomalias institucionais que demandassem atuação do Sistema de Justiça, a dignidade da pessoa humana não poderia ser ignorada. Nem se poderia afastar o princípio da inocência até o trânsito em julgado. Diligências ou providências necessárias durante investigações ou processos judiciais precisam ser as menos gravosas aos que ainda não tenham sido condenados definitivamente. Impedido de sequer se aproximar do campus da Universidade, o reitor suicidou-se.
As imputações fantasiosas e as conduções coercitivas de pessoas que não tinham sido previamente intimadas ou que tivessem se recusado a comparecer foram parte das abusividades praticadas na Operação Lava Jato. O próprio presidente Lula foi vitimado por uma ilegal condução coercitiva, por grupo que tinha projeto de poder político à margem dos princípios que orientam o Estado de Direito e a democracia. Nesta semana, o ministro Dias Toffoli proferiu fundamentada decisão na qual analisa muitas das ilegalidades havidas naquele período, bem como possibilita a responsabilização dos agentes públicos que atuaram à margem da legalidade.
Na investigação acusatória regularmente processada, um delegado apura, sigilosamente, um fato criminoso, certificando-se de sua efetiva ocorrência e lista os possíveis autores da ilegalidade. Finda a apuração o delegado de polícia remete um relatório ao Ministério Público, que formula uma acusação perante a Justiça. Mas as pessoas que gerem este processamento não são deuses, nem demônios. São seres humanos capazes dos mesmos erros, se o sistema não estiver adequadamente sujeito a controle e responsabilização.
No nosso sistema, nem o promotor nem o juiz analisam os fatos. O que se analisam são as reconstituições históricas do evento. O fato é evento na realidade natural, que ocorre e se esvai. O que pode restar são registros e possibilidades de reconstituições. Daí que a fidedignidade destas reconstituições precisa ser honestamente observada para evitar que o processo se desenvolva de forma fantasiosa.
Em data recente, um diligente juiz fluminense anulou interceptações telefônicas, porque advogados dos acusados descobriram que os números dos telefones de onde teriam partido as conversas imputadas aos seus clientes não pertenciam a eles. Nos autos do processo, havia a transcrição das supostas conversas. O juiz mandou oficiar à companhia telefônica e descobriu que os números sequer estavam habilitados pela empresa de telefonia; os números inexistiam. Alguém, em sede policial, inventou as conversas, as transcreveu e as atribuiu a um número telefônico. O fato já havia ocorrido no 'Caso Amarildo', quando foi detectado que as transcrições não correspondiam ao que estava gravado. Numa operação policial chamada de 'Olho de Boi', igualmente foi aventada a possibilidade de que gravações tivessem sido editadas, o que implicou sério conflito institucional quando descoberto o problema. A perita da Polícia Civil que detectou a falha hoje atua na Defensoria Pública, propiciando melhor exercício do direito de defesa.
Se o relatório final do inquérito relata uma fantasia e esconde a verdade, o Ministério Público não tem outra forma de atuação senão com base no que conste em tal relatório. Se a acusação feita perante a Justiça igualmente não retrata a realidade, o juiz pronunciará uma sentença sobre o que lhe foi relatado e supostamente provado. Em ambas as situações, as atuações dos agentes do Estado estarão fundadas em fantasia e não na realidade.
Um caso emblemático vitimou o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, o CAU. No auge das ilegalidades operadas pelos agentes da Operação Lava Jato, em 14 de setembro de 2017, o reitor e outros professores foram conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal (PF), preso e posteriormente impedido de se aproximar da Universidade pela qual dedicava sua vida. Ao reitor Cancellier foram formuladas absurdas ilicitudes hipotéticas, sem base na realidade. Ele foi vítima de medidas violentas, injustas e desnecessárias, dentre as quais ilegal condução coercitiva, prisão temporária e afastamento cautelar do cargo.
Na época da operação, não havia qualquer acusação formal contra o reitor. Tratava-se de apuração de possíveis fatos que sequer teriam ocorrido em sua gestão. As decisões foram desnecessárias e arbitrárias. Tudo ocorreu no contexto do lavajatismo, quando certas autoridades disputavam quem acenderia maior fogueira para queimar quem consideravam hereges. O professor Cancellier foi tratado de maneira abusiva, jogado numa cela da penitenciária e impedido de exercer a função pública, sua razão de viver. Não havia evidência de qualquer ilícito por ele cometido e não houve contraditório. Mesmo que se estivesse diante de eventuais anomalias institucionais que demandassem atuação do Sistema de Justiça, a dignidade da pessoa humana não poderia ser ignorada. Nem se poderia afastar o princípio da inocência até o trânsito em julgado. Diligências ou providências necessárias durante investigações ou processos judiciais precisam ser as menos gravosas aos que ainda não tenham sido condenados definitivamente. Impedido de sequer se aproximar do campus da Universidade, o reitor suicidou-se.
As imputações fantasiosas e as conduções coercitivas de pessoas que não tinham sido previamente intimadas ou que tivessem se recusado a comparecer foram parte das abusividades praticadas na Operação Lava Jato. O próprio presidente Lula foi vitimado por uma ilegal condução coercitiva, por grupo que tinha projeto de poder político à margem dos princípios que orientam o Estado de Direito e a democracia. Nesta semana, o ministro Dias Toffoli proferiu fundamentada decisão na qual analisa muitas das ilegalidades havidas naquele período, bem como possibilita a responsabilização dos agentes públicos que atuaram à margem da legalidade.
João Batista Damasceno
Doutor em Ciência Política
Doutor em Ciência Política
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