Publicado 22/12/2023 00:00
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Nelson Piquet referiu-se a Lewis Hamilton como “neguinho”, foi processado e condenado. Racismo!
O TRT 15, por seu Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Etnia e Diversidade, gasta tempo, energia e recursos públicos para dizer que chamar alguém de “branquelo” não é racismo. Se não é racismo, é o quê? Se não é racismo, pode?
Segundo o TRT 15, “discriminação não é racismo”. Contudo, a CF diz:“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;II – garantir o desenvolvimento nacional;III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Será possível combater “quaisquer” formas de discriminação liberando umas e criminalizando outras?
A história, “baseada em fatos reais”, mostra uma pessoa sendo chamada de “branquelo”, se incomodando, se sentindo (e sendo) tratada de forma desigual em razão da cor da pele. Mas, para o TRT 15, e para todos que defendem a tese ali proposta, está tudo bem. O Comitê de Equidade, repito, de EQUIDADE, entende que discriminar negro é crime, mas branco “tá de boa”.
O TRT 15 diz que pessoas negras não conseguem impor “desvantagens sociais”a membros de grupos majoritários nos espaços de representação e de poder. Então, já que o adolescente é branco e os brancos estão no poder, não é uma “desvantagem social” o adolescente branco poder ser hostilizado. Muito justo! Parabéns a todos que inventaram essa compensação histórica!
Os colegas negros podem chamar o rapaz de branquelo porque, afinal, possuem a cor de pele dos escravizados e, logo, imunidade para hostilizar os brancos. Ser chamado de “neguinho” é crime, mas de “branquelo” está liberado.
O rapaz branco pode ser gente boa, militante antirracista, ser filho de um negro, não importa. Ele pode simplesmente não gostar de ser tratado assim, não importa.Segundo a tese, ele pode ser chamado de branquelo porque no passado brancos escravizaram africanos e há no presente um fosso racial. O rapaz pode ter 14 anos de idade e ser morador da mesma favela, mas por ser branco “tem culpa”. A lição é:“Pegue qualquer branco e ofenda, está de boa”. O TRT 15 confirmou, agora é lei.
Os teóricos da vindita genericamente liberada esquecem dos negros africanos que venderam outros negros, dos negros brasileiros que tiveram escravos, esquecem dos eslavos e da noção de individualização da pena e da responsabilidade. Nem fale em devido processo legal: brancos podem ser punidos de forma indiscriminada “porque o país é racista”. Os autores da ideia também esquecem dos textos legais, os quais não definem monopólio de cor de pele para ser autor ou vítima de racismo.Nada disso importa: o TRT 15 repetiu a lição corrente e confirmou que está de boa chamar branco de “branquelo”.
Os negros podem ser racistas com o branquelo porque, afinal, “a estrutura é racista” e “não há racismo reverso”. A estrutura jurídica, uma das mais relevantes em um país, agora já permite ofender os brancos impunemente. É isso?
Os rapazes negros, liberados pelos juristas e pelos supremacistas negros, chamam o colega de branquelo e esse gesto sábio e fraterno vai resolver tudo. Não é vingança, mas sim algo evoluído. Autorizados, chamam o branco de branquelo e agora vai: isso resolve o fosso social, a falta de negros no STF, o racismo ambiental, o estrutural e o algorítmico. Chamar alguém de branquelo aumenta o número de mulheres negras na medicina e no Congresso. Chamar os brancos de branquelos vai ajudar o Brasil a ser um lugar sem discriminação em razão da cor da pele, faça sua parte! Os arts. 1º a 4º da CF precisam deixar de ser letra morta!
Deixem os negros hostilizar os branquelos, pois o país precisa de paz e harmonia social.
O branquelo hostilizado, e que, ao ver dos juristas “letrados racialmente”, resta sem proteção legal, afinal, merece. Merece não por seus atos ou caráter, como sonhava Luther King Jr., mas por causa da cor da sua pele. Merece por ser… branquelo.
É o direito penal do inimigo racial: se é branco, é estruturalmente racista, frágil, malvado e, se não concorda com essas pechas, é também ignorante e precisa ler mais, fazer curso e, quem sabe, pagar alguma polpuda indenização para alguma ONG ter mais dinheiro para defender que brancos são maus, racistas, não têm lugar de fala e não podem usar tranças.
O branquelo só é menos malvado se for de esquerda, sentir culpa de ter nascido branco, pedir desculpas e concordar com tudo. Lugar de fala só tem para dizer que está errado. Fora isso, “é racista”.
Certamente, submetido a tudo isso, o branquelo do futebol ou basquete se tornará uma pessoa melhor, será um antirracista a mais na fila do pão. Ele entenderá tudo. E concordará. Talvez até se sinta mais confortável se um dia alguém o convidar para um jogo ou reunião só de brancos. Afinal, cada um deve ficar seguro dentro de sua tribo. Ninguém do grupo sem pretos vai chamá-lo de branquelo ou branco azedo. E quem terá autoridade moral para criticar esse branco que passar a se afastar dos pretos? O adolescente estará entre iguais e se sentirá parte do grupo. Quem mandou ir jogar futebol com os neguinhos? Um dia ele aprende seu lugar, esse branquelo sem noção que agora evitará essa diversidade esquisita na qual não pode ofender, mas pode ser ofendido. Respeito não é via de mão única, isso para não mencionar a isonomia.
Os antirracistas seletivos acreditam que o branco tratado assim vingará Zumbi e Dandara. Viva! E se reclamar, esse “iletrado racial” que entenda: ofensa racial na cor da pele dos outros é refresco. Racismo no outro é mimimi. Ou, em outras palavras: “não é sério”, “não é grave”, porque brancos “não foram escravizados” e “não são revistados pela polícia”. Pode ofender, pode hostilizar. Os revanchistas vestidos de éticos e modernos já são a maioria e por isso “não há racismo reverso”.
Nem o Tribunal nem quem sente prazeres racistas revanchistas secretos parece preocupado com o adolescente. Ser branco o exclui de qualquer proteção estatal. Se o bullying gerar depressão ou suicídio, e daí? Se ficar ressentido e se tornar alguém que não gosta de pretos, e daí? Se no futuro, sabendo que o sistema judicial não reprime discriminação contra si, algum branco fizer justiça pelas próprias mãos, e daí? Será que ninguém vê que dar alvará para hostilizar brancos atinge inocentes e apenas aumenta o esgarçamento do tecido social?
As teses “modernas” e “libertárias” promovidas não resolvem nenhum problema do mundo real, estimulam ressentimentos e realimentam a cultura de segregação e do ódio racial.
A CF permanece falando em fraternidade, mas o TRT 15, os professores de Direito, os artistas e os influencers preferem que negros possam hostilizar brancos por causa da cor da pele.
Os pretos foram e são hostilizados por serem pretos e isso os fez achar que a solução é ter 400 anos para fazer o mesmo. “Eu reclamo quando fazem comigo, agora quero fazer com os outros”. Teremos 400 anos pretos e, em mais 4 séculos, a gente conversa de novo. Muito sábio.
Estou convencido que envelheci. Passei o tempo fazendo sentenças, livros e dando aula para pretos pobres, e, enquanto estava distraído, o mundo mudou. A cultura do racismo, que é nada além de tratar alguém de forma diferente por causa da cor da pele, raça, etnia ou origem, tomou novas formas. Agora tem racismo com alvará: negros podem ofender branquelos e o farão com o aplauso do TRT 15 e da maioria dos professores de Direito. E essa imunidade para os pretos acabará com o racismo no mundo. Viva!
Eu, cada vez mais me sentindo velho, mas ainda um professor de Direito, permaneço lendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as convenções e as leis: todos devem ser tratados de forma igual, são livres e nascem dotados de igual dignidade e direitos.
Permaneço crendo que ninguém tem o direito de hostilizar alguém em razão de sua cor de pele, raça, etnia ou origem. Isso tem nome: racismo. Qualquer pessoa, de qualquer cor de pele, pode ser autora ou vítima de discriminação em razão da cor da pele. Está escrito e este é o único meio de mudar a cultura do racismo. É o único caminho para estabelecer a união, paz e fraternidade postas na Constituição da República. De fato, “não há racismo reverso”, mas por outra razão: todo racismo é racismo.
Você pode escolher: junte-se à equidade à moda do TRT 15, junte-se à tese hoje adotada pela maioria dos professores de Direito e ganhe de presente um racismo para chamar de seu. Ou rejeite todos os racismos e seja um antirracista integral.A escolha é sua. Boa sorte!
* William Douglas é professor de Direito Constitucional. Trabalha com inclusão social e racial há 25 anos
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