Publicado 22/04/2024 16:33
Rio - É paradoxal a situação com que se depara o setor de turismo e eventos, nos termos em que é discutida a revisão ou descontinuidade do Perse, inclusive, a forma que com frequência a questão é colocada, sob uma ótica meramente fiscal e arrecadatória de curto prazo, uma lente distante dos pontos de princípio da questão. Paira uma impressão de que o Brasil está completamente desconectado do mundo.
A visão imediatista sobre o impacto financeiro dos incentivos traz consigo o reflexo da dificuldade em promover o equilíbrio das contas públicas e conter gastos públicos de forma mais ampla; ou de cobrar mais de setores que gozam de benefícios "do fim do mundo" e não têm prazos para acabar.
Tudo parece ainda mais frágil, pois está distante da lógica econômica, competitiva e geradora de empregos e de uma visão social sobre a manutenção e ampliação desses empregos. E afirma a completa dissonância em relação ao que acontece, ou já aconteceu, neste exato momento, em todo o mundo, em que se buscaram políticas paliativas para a crise da covid sobre o setor de turismo e eventos, e se trabalham amplos fomentos aos setores como prioridades nacionais.
A manutenção do Perse não é uma reivindicação paroquial ou de interesses localizados. Trata-se de um momento emblemático em que se discute a retirada de incentivos anteriormente aprovados no Congresso Nacional (que finalizariam em janeiro de 2027), para setores que são colunas de sustentação importantes para o Brasil: inclusão produtiva, dinâmica para o setor de serviços e atividades sustentáveis , inclusivas e limpas.
O Turismo no Brasil nunca recebeu, historicamente, políticas públicas mais abrangentes de fomento. Por que especificamente os setores do turismo não podem ser incentivados até mesmo de forma mais ampliada e sistêmica? Na percepção do resto do mundo do turismo, OMT, WTTC e WEF, se o Brasil apoiasse sua economia do turismo se transformaria num dos cinco maiores mercados do mundo. Isso já é consenso, faz tempo.
O agronegócio, por exemplo, que é incentivado inteligentemente, apresenta uma média de tributação de 5% e ampla oferta de crédito de R$ 500 bilhões anuais, enquanto o turismo tem R$ 1 bilhão em crédito no Fungetur. Os dois, Agro e Turismo, são os maiores diferenciais comparativos que temos perante o planeta.
Isso ocorre pelo tamanho destas riquezas. No Brasil, os benefícios econômicos e resultados do agronegócio comprovam mais uma vez o quanto são importantes os tais incentivos para tais plataformas de competitividade internacional e para a estruturação de toda a sua cadeia produtiva - tudo isso ao turismo é negado.
Outro exemplo, o setor automotivo, agora com o Mover, focado em inovação e sustentabilidade, mas já com várias e sequentes plataformas de incentivo, tem o poder de competir globalmente e continuar a ser uma das bases de referência e sustentação na contenção do processo de desindustrialização. A mesma lógica se apresenta a outros setores.
Os resultados econômicos obtidos foram e são importantes para a estabilidade social do Brasil. A míope visão de curto prazo da política brasileira não enxerga a existência de uma guerra mundial por empregos aonde a economia do turismo é o maior campo de batalha.
O turismo, que é um dos principais catalisadores do setor de serviços, é incentivado em todo o mundo por ser o maior gerador de empregos nos países, especialmente para os mais jovens, buscando economias de escala e altíssimo encadeamento: Espanha, Portugal, Turquia, México, Peru, Japão , Dubai , China , Tailândia e agora Arábia Saudita , são bons exemplos.
Além de incentivos tributários e econômicos, outras políticas associadas: promoção em escala global, política de place branding, áreas especiais para desenvolvimento turístico, distritos turísticos, criação de um sistema aéreo coordenado, econômico e eficiente, desenvolvimento da hotelaria, eventos, atrações e parques naturais e parques temáticos, resorts integrados com casinos e a eliminação dos gargalos do fluxo turístico mediante um PAC exclusivo para o turismo .
A reivindicação em relação ao Perse é relativamente singela, e é pouco do que se pode e deve fazer para desenvolver um sistema que traz muitos empregos, melhora o balanço de pagamentos e promove a cultura e diversidade do País. Mas as resistências são sintomáticas de que o turismo ainda é visto por muitos como um setor não merecedor de qualquer incentivo. Por isso sua presença no PAC é incidental.
Ao contrário da visão anacrônica e limitada que se produziu sobre o Perse, que quis acuar os setores difusos do turismo, houve reação bem articulada das lideranças que se organizaram a partir da reconstrução pós-covid . O próximo passo é se pensar sobre a criação de um amplo sistema competitivo do Turismo brasileiro como parte central da estratégia de país.
O governo federal do Brasil concede incentivos fiscais de R$ 250 bilhões anuais a empresas, e quase metade disso para menos de 30 empresas, sem horizonte de tempo para cessar o incentivo. No caso do Turismo e eventos, tratou-se de incentivar os setores econômicos que mais sofreram sob a pandemia, e com prazo determinado, até janeiro de 2027. Mantenha-se o Perse e viremos a página para apoiar o turismo para valer. Sejamos um país com ambições e vivamos das nossas reais possibilidades.
Vinicius Lummertz é chairman do conselho do Grupo Wish. Formado em ciência política pela Universidade Americana de Paris, fez pós-graduação na Kennedy School, da Harvard University. Foi secretário de Turismo do Estado de São Paulo e ministro do Turismo de abril de 2018 a dezembro de 2019. Presidiu a Embratur de junho de 2015 a abril de 2018 e foi secretário nacional de Políticas de Turismo de setembro de 2012 a maio de 2015.
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