Paulo Rosenbaumdivulgação
Publicado 01/05/2024 00:00
"A tolerância é um crime quando aplicada ao mal".
Thomas Mann
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Recentemente pesquisadores fizeram um esboço da fisiologia do sentimento de ódio, que apresentou padrões distintos de outros sentimentos, como medo, ameaça e perigo. Nomearam-no como "circuito do ódio", um sentimento que invade o sistema límbico, particularmente verificáveis nas estruturas do córtex e no subcórtex, particularmente no putamen e na insula, antes que o sujeito possa ter qualquer controle sobre as próprias ações e palavras. A percepção estimula uma reatividade que tenta prever as ações alheias antecipando um eventual confronto.
O ex-premiê britânico do UK, Gordon Brown, concedeu uma entrevista na qual abordou os efeitos indesejáveis da globalização. Apenas esqueceu de um tópico que entretanto talvez seja o principal.
Estamos falando do ódio globalizado. A palavra grega échthra, cujo significado é ódio, ainda permanece subexplorada. Em uma acepção analógica ela possui um sentido muito mais sofisticado do que detestar. Significa também creditur de ódio, vale dizer, aqueles que são crédulos no rancor.
Parece estranho, mas assim como há os que cultuam a trascendência do amor e a afetividade, há aqueles que estão no outro espectro: vibram, têm fé e apostam coletivamente na violência e na destruição do outro como leitmotiv. Trata-se, portanto, de uma seita escatológica.
Sua credulidade pode aparecer através de haters ocultos atrás de máscaras, capuz, turbantes e digitalmente sob Ips ocultos. A despeito dessa grande variedade de racismos e racistas, todos seguem o mesmo ritual: estão mobilizados por um impulso irracional, um instinto de ressentimento irrestrito. E, desafortundamente, a internet com a sua exigência de performance imediata e respostas semiautomáticas protegidas pelo anonimato virtual trabalha a favor da credulidade no rancor.
A prova disso são os coros cujas vozes individuais desconhecem quase tudo o que propagam. Onde ninguém sabe explicar bem o que é que se defende durante uma marcha e nem porque atacam a quem atacam.
Nas entrevistas dos grupos que exalaram seu apoio aos grupos terroristas e ressuscitaram os libelos do arquiterrorista que organizou o 11 de setembro verificou-se um elo comum: ambos exaltam, do alto de sua ignorância histórica e geográfica, um ódio subjetivo e genérico dirigido contra o establishment.
Ninguém pode achar que o establishment é uma espécie de paraíso inspirado na bondade e em valores altruístas, mas entre os operadores do ressentimento não há espaço para análise. O que prevalece é uma estupidez cósmica. Na legião acrítica encontram-se adoradores de influencers, jornalistas e docentes que professam o radicalismo como pauta, muitos deles financiados por jihadistas de Estado dentro e fora dos ambientes universitários.
Parece paradoxal que um Estado financie grupos que promovem e oferecem apoio a ações indiscriminadas contra as pessoas? Pois é mesmo paradoxal, já que não há garantia alguma de que um dia toda essa sublevação financiada não se volte contra o patrocinador.
Inspirados ora na aversão ao Ocidente, ora numa tirania populista, a sociedade que os adeptos da radicalização desejam só pode ser a que eles mesmos ditam. Por isso, em todas as eras o fanatismo tem sido um fator de instabilidade geopolitico, especialmente quando bem manipulada por regimes poderosos.
É preciso compreender com clareza: não se trata de uma luta a favor de uma causa, mas de uma insana bagagem de ressentimento, complexo de inferioridade, desejo de poder e dogmatismo político. E ele vem de todos os espectros políticos, afinal o ódio precisa ser racionalizado. O medo vem depois, e é sempre reativo.
No caso atual da resposta que Israel tem dado aos massacres organizados pelo exército terrorista do Hamas, uma cadeia de distorções invadiu a linguagem. Falam de "revide", "retaliação" e outros refrões inadequados para descrever a ação de Israel saindo das cordas. Mas se consideramos as circunstâncias trata-se de defesa e prevenção. Qual país não faria o mesmo quando atacado por proxys em 3 fronts, financiados por Repúblicas não democráticas e sem nenhum controle social?
A perversão da linguagem vem inchando o alfabeto com slogans, durante meses calunia-se livremente o estado hebreu com uma intenção genocidária que nunca existiu. O refrão durou até exitosamente grudar na fala coletiva. A tática é manjada, acuse-os de seu principal leitmotiv, até que as massas comprem a ideia no mercado central de valores corrompidos.
A inadmissível verdade é que, na raiz, são todos movimentos contra os judeus, chamemo-los de antijudaicos ou judeofóbicos, uma vez que a palavra antissemita vem se mostrando insuficiente para traduzir a especificidade do ódio. O ódio foi finalmente globalizado pela mass media, e sem os contrapesos adequados que deveriam proteger as garantias individuais.
A fisiologia do ódio é necessariamente ao mesmo tempo simplista e reducionista: é preciso impedir o bem-estar. Para os crédulos no ódio é necessário eliminar a paz através de todos os meios disponíveis para que as guerras pessoais prevaleçam contra a construção de uma sociedade realmente fraterna ou menos bélica. Obviamente essas prerrogativas nada têm de progressistas. Quem é contra os acordos de Abrão? Contra as inúmeras iniciativas - pelo menos cinco - todas recusadas pelos representantes da Autoridade Palestina? Quais das manadas que têm desfilado pelo mundo declararam ser a favor de soluções negociadas? Aqueles que expressam sua linguagem hostil nada apresentam de solidariedade a povo algum.
Todos sabemos muito bem quem são os antagonistas contumazes dos planos de paz. Eis o cúmulo da atitude paradoxal: jihadistas e seu conservadorismo primitivo, o ideário neonazista e a extrema esquerda estão todos juntos comungando dos mesmos propósitos e métodos.
A anacrônica aversão ideológica aos EUA é o que provisoriamente os une. Isso até pode até ter alguma durabilidade, mas só até que o reino das contradições torne-se insustentável. O que sabemos é que, historicamente, os malignos consensos antijudaicos costumam terminar em banquetes autofágicos.
A internet e a darkweb deram consideráveis contribuições para a chamada vetorialização do ódio e sob a premissa da liberdade de expressão as plataformas não inibem posts que caluniam, difamam, pregam eliminacão de pessoas, destruição de estados etc.

Os governantes também não estão sendo muito prestativos quando é o caso de ser exemplos contra os discursos de ódio. Tampouco as instituições estão aparelhadas à altura para conter as sucessivas ondas de bulliyngs e conclamações violentas.

"Free speech not free Spit" ou "Liberdade de expressão, não de saliva" deveria ser um dos slogans de campanhas para coibir a pandemia.
Resta saber, o que faremos a respeito? A inércia e a neutralidade não são mais opções. Ou são, e neste caso, teremos que assumir as consequências dessa decisão. É perigoso insistir na mesma técnica que tem falhado para conter o discurso de ódio. Censura, fact-check, cartazes pedindo para interromper tampouco parecem ter mostrado eficácia.
Deveríamos admitir que talvez ainda não haja uma terapêutica político-tecnológica eficiente e capaz de prevenir novas tragédias, uma vez que a incitação violenta necessariamente estimulará algum desastre.
Mesmo que o conceito de verdade tenha sido posto em cheque, isso não signifique que ele inexista. Poderíamos começar valorizando a informação de qualidade e expondo a desinformação. Pelo menos seria um sinal de que detectamos o perigo e estamos agindo.
Enfim, o objetivo final da seita do ódio unificado é nos tornar parte dela, ainda que à nossa revelia. Desejam que odiemos com perfeição, que o rancor e o ressentimento sejam impecáveis, que possamos abominar tudo e todos de uma forma tão vil e implacável quanto a que eles pregam. Em síntese, desejam nos eletrocutar expandindo o circuito.
Basta recusar aceitar o jogo idólatra e adotar o conceito de John Locke "não devem ser tolerados aqueles que adotam doutrinas incompatíveis com as regras da Sociedade Civil".
Em uma ocasião perguntaram para o prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel o que ele aprendeu depois de passar pelo experiência do holocausto.
Wiesel respondeu:
"— Lute contra o mal imediatamente. Não espere, não tente se convencer de que vai ficar melhor".
O que estamos esperando?

Paulo Rosenbaum
Escritor e médico
 
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