Publicado 17/05/2024 00:00
Se a cidade é essencial para o modo de vida, como garantir um ambiente urbano que promova igualdade de oportunidades para a juventude, evitando sentimentos de inferioridade, exclusão e impotência? Será que a formação das cidades influencia na trajetória dos jovens, no seu campo de possibilidades existenciais e projetos de vida?
PublicidadeA expressão “geração nem-nem” surgiu nos anos 90, na Inglaterra. O nome vem da sigla NEET´s (not in employment, education or training), que faz referência a jovens que não têm um emprego e não estudam. No Brasil, são considerados jovens “nem-nem”.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE revelou, em 2023, que entre jovens com 15 a 29 anos de idade, 19,8% não estavam trabalhando nem estudando, proporção que era de 14,2% entre os homens e salta para 25,6% entre as mulheres. Para o grupo feminino, o principal motivo para não estar estudando foi a necessidade de trabalhar, com 25,5% relatando essa razão, seguido pela gravidez, com 23,1%. A desigualdade de gênero nas estatísticas reflete as complexas interações entre fatores sociais, econômicos e culturais que impactam as jovens no mercado laboral e no ambiente educacional. Tais abismos evidenciam a necessidade de políticas públicas sensíveis ao gênero, visando reparar desigualdades estruturais e promover a equidade de oportunidades.
Entre os jovens pretos e pardos com idades entre 18 e 24 anos, 70,6% não frequentavam a escola e não concluíram o ensino superior, enquanto entre os brancos na mesma faixa etária a taxa foi de 57%. Apenas 26,5% dos jovens pretos e pardos de 18 a 24 anos estavam estudando, em comparação com 36,5% dos jovens brancos na mesma faixa etária. Já entre os estudantes de 18 a 24 anos, 29,5% dos brancos cursavam o ensino superior, enquanto apenas 16,4% dos pretos ou pardos nessa faixa etária estavam nesse nível educacional. A obtenção do diploma de graduação era significativamente mais baixa entre os pretos e pardos de 18 a 24 anos, com apenas 2,9% tendo obtido o diploma, em comparação com 6,5% dos brancos na mesma faixa etária.
Se for considerado que as cidades são o resultado de uma visão estratégica ou da falta dela, infelizmente, é preciso dizer que aquelas que compõem as regiões metropolitanas do país apresentam labirintos indecifráveis e insuperáveis para a juventude "nem-nem", considerando que seu contexto urbano é visto, muitas vezes, como um lugar de promessas, de diversidade e de emancipação nunca cumpridas.
Apesar da quase universalização do ensino fundamental e médio no país, para os jovens "nem-nem", simplesmente ter acesso não basta para mantê-los na escola. Mesmo quando matriculados e frequentando as aulas, a educação não tem garantido a alfabetização funcional ou a preparação para o mercado de trabalho, apesar de ser um direito fundamental estipulado no artigo 205 da Constituição.
As famílias pobres, que em sua maioria são chefiadas por mulheres, cuja composição familiar é majoritariamente de pretos e pardos, são excluídas do acesso à terra, restando-lhes a ilegalidade e a precariedade. Também são forçadas a viver nas periferias, longe de estruturas públicas de qualidade e do mercado de trabalho formal. Os efeitos dessa dinâmica são estímulos das armadilhas da pobreza, um conjunto de mecanismos de autorreforço pelos quais os países e indivíduos que começam pobres permanecem pobres, num ciclo intergeracional de pobreza que fomenta a opção pelo “nem-nem”. Para que fazer diferente, afinal?
Sob a perspectiva do direito à cidade, uma reforma urbana é fundamental, pois se as cidades forem construídas de forma inadequada, indubitavelmente não poderão ser refeitas em seguida. Outra razão é que o problema do alto custo da terra urbana não será solucionado pela redução das desigualdades de renda, pois a demanda aumenta e, consequentemente, o preço da terra urbana - que é privada e detentora de um monopólio - também ganha valorização em idêntica proporção. Ou seja, teremos o mecanismo perverso de que a terra bem localizada é e permanecerá inacessível aos mais pobres.
O mais importante aqui é que se assuma a ideia de que as cidades devem ser inclusivas, justas e democráticas, o que implica produzir cidade através da habitação como direito fundamental, levando sempre em consideração as especificidades do território, como infraestrutura, equipamentos públicos, acesso ao transporte, bens culturais e educacionais, esporte e lazer, de modo a transformar toda a terra num lugar digno para se viver, respeitado o limite do risco, ainda mais em tempos de desastres climáticos apocalípticos.
Deve-se adotar uma perspectiva metodológica adequada para caracterizar e compreender melhor o fenômeno “nem-nem”, por cidade, a fim de facilitar transições escola-trabalho bem-sucedidas, que anteriormente, eram sequenciais e quase simultâneas, mas que agora estão longe de coincidir. Isso tem levado, muitas vezes, a trajetórias labirínticas e a uma alarmante dessincronização dos distintos eixos de emancipação profissional e pessoal dos jovens na cidade.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE revelou, em 2023, que entre jovens com 15 a 29 anos de idade, 19,8% não estavam trabalhando nem estudando, proporção que era de 14,2% entre os homens e salta para 25,6% entre as mulheres. Para o grupo feminino, o principal motivo para não estar estudando foi a necessidade de trabalhar, com 25,5% relatando essa razão, seguido pela gravidez, com 23,1%. A desigualdade de gênero nas estatísticas reflete as complexas interações entre fatores sociais, econômicos e culturais que impactam as jovens no mercado laboral e no ambiente educacional. Tais abismos evidenciam a necessidade de políticas públicas sensíveis ao gênero, visando reparar desigualdades estruturais e promover a equidade de oportunidades.
Entre os jovens pretos e pardos com idades entre 18 e 24 anos, 70,6% não frequentavam a escola e não concluíram o ensino superior, enquanto entre os brancos na mesma faixa etária a taxa foi de 57%. Apenas 26,5% dos jovens pretos e pardos de 18 a 24 anos estavam estudando, em comparação com 36,5% dos jovens brancos na mesma faixa etária. Já entre os estudantes de 18 a 24 anos, 29,5% dos brancos cursavam o ensino superior, enquanto apenas 16,4% dos pretos ou pardos nessa faixa etária estavam nesse nível educacional. A obtenção do diploma de graduação era significativamente mais baixa entre os pretos e pardos de 18 a 24 anos, com apenas 2,9% tendo obtido o diploma, em comparação com 6,5% dos brancos na mesma faixa etária.
Se for considerado que as cidades são o resultado de uma visão estratégica ou da falta dela, infelizmente, é preciso dizer que aquelas que compõem as regiões metropolitanas do país apresentam labirintos indecifráveis e insuperáveis para a juventude "nem-nem", considerando que seu contexto urbano é visto, muitas vezes, como um lugar de promessas, de diversidade e de emancipação nunca cumpridas.
Apesar da quase universalização do ensino fundamental e médio no país, para os jovens "nem-nem", simplesmente ter acesso não basta para mantê-los na escola. Mesmo quando matriculados e frequentando as aulas, a educação não tem garantido a alfabetização funcional ou a preparação para o mercado de trabalho, apesar de ser um direito fundamental estipulado no artigo 205 da Constituição.
As famílias pobres, que em sua maioria são chefiadas por mulheres, cuja composição familiar é majoritariamente de pretos e pardos, são excluídas do acesso à terra, restando-lhes a ilegalidade e a precariedade. Também são forçadas a viver nas periferias, longe de estruturas públicas de qualidade e do mercado de trabalho formal. Os efeitos dessa dinâmica são estímulos das armadilhas da pobreza, um conjunto de mecanismos de autorreforço pelos quais os países e indivíduos que começam pobres permanecem pobres, num ciclo intergeracional de pobreza que fomenta a opção pelo “nem-nem”. Para que fazer diferente, afinal?
Sob a perspectiva do direito à cidade, uma reforma urbana é fundamental, pois se as cidades forem construídas de forma inadequada, indubitavelmente não poderão ser refeitas em seguida. Outra razão é que o problema do alto custo da terra urbana não será solucionado pela redução das desigualdades de renda, pois a demanda aumenta e, consequentemente, o preço da terra urbana - que é privada e detentora de um monopólio - também ganha valorização em idêntica proporção. Ou seja, teremos o mecanismo perverso de que a terra bem localizada é e permanecerá inacessível aos mais pobres.
O mais importante aqui é que se assuma a ideia de que as cidades devem ser inclusivas, justas e democráticas, o que implica produzir cidade através da habitação como direito fundamental, levando sempre em consideração as especificidades do território, como infraestrutura, equipamentos públicos, acesso ao transporte, bens culturais e educacionais, esporte e lazer, de modo a transformar toda a terra num lugar digno para se viver, respeitado o limite do risco, ainda mais em tempos de desastres climáticos apocalípticos.
Deve-se adotar uma perspectiva metodológica adequada para caracterizar e compreender melhor o fenômeno “nem-nem”, por cidade, a fim de facilitar transições escola-trabalho bem-sucedidas, que anteriormente, eram sequenciais e quase simultâneas, mas que agora estão longe de coincidir. Isso tem levado, muitas vezes, a trajetórias labirínticas e a uma alarmante dessincronização dos distintos eixos de emancipação profissional e pessoal dos jovens na cidade.
É necessário criar uma geração "Enem 2.0", onde as aspirações dos jovens sejam transformadas em oportunidades reais para projetos de vida saudáveis e realizáveis.
* Allan Borges é executivo ESG da Cedae, doutorando em Direito da cidade (UERJ), pesquisador do NEPEC (UERJ), Mestre em bens culturais e projetos sociais pela FGV
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