Ricardo Patitucci é psiquiatra e diretor-médico da Clínica da GáveaDivulgação
Publicado 31/05/2024 00:00
É difícil abdicar de um prazer que alguma vez foi experimentado. Já nos alertava Freud, um século atrás. E, nesse sentido, associada a comportamentos compulsivos e pensamentos obsessivos, está a dependência química. No início, o prazer da droga se manifesta intensamente; no caso da cocaína através da grande descarga dopaminérgica no cérebro. Um neurotransmissor estimulante, que gera sensação de euforia, poder e bem-estar. De invencibilidade. Do ponto de vista psicológico, poderíamos dizer que a droga preenche um sentimento de falta. Mas tudo isso tem seu preço, e não é barato.

Depois dessa enxurrada de dopamina, os estoques ficam vazios e o indivíduo vai ao extremo oposto, a abstinência, experimentando intensos sentimentos de tristeza, irritabilidade, pensamentos autodepreciativos, insegurança, culpa, vazio, medo e abandono. Muitas vezes, a mente é preenchida com pensamentos de morte nessas ocasiões. E, nesse contexto, não raro ocorre um suicídio.

Caso o ciclo acima se retroalimente, ele se tornará uma “bola-de-neve” - e isso pode acontecer com diversas outras substâncias químicas, inclusive o álcool. 

Por exemplo, na tentativa de se livrar da abstinência, o indivíduo intoxicado tenderá a utilizar a droga novamente, ocasionando adiante outra crise. E assim sucessivamente. Quando estes ciclos se instauram, a pessoa vai restringindo cada vez mais sua existência ao uso da droga. Com gradativos prejuízos
emocionais, sociais e financeiros.

Esses ciclos são, resumidamente, o que chamamos de dependência química. Tal transtorno mental é extremamente impactante na vida do adicto e de sua família e por isso é necessário buscar ajuda especializada o quanto antes. Até porque existem graus de dependência química. E quanto mais cedo se
diagnostica e se inicia o tratamento, maiores são as chances de recuperação.
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No entanto, a situação pode se agravar. Uma vez que, para além da dependência química, a pessoa pode apresentar outro transtorno mental. E isso, infelizmente, é frequente. Nessas situações, a dependência química surge de maneira atômica, exacerbando intensamente os sintomas do quadro psiquiátrico original. Aqui identificamos, infelizmente, cada vez mais casos de suicídio, principalmente entre os jovens. Fato que é corroborado pela estatística de que eles, entre 18 e 24 anos, integram a faixa etária em que mais se comete suicídio. Ou seja, drogas e adolescência definitivamente não combinam nem um pouco.

Por fim, importante registrar que cerca de 30% das pessoas que experimentam cocaína se tornam dependentes químicos. Ou seja, de cada dez pessoas que usam uma única vez, três desenvolvem uma doença que pode se tornar muito grave e incapacitante. Logo, a principal orientação é não experimentar. E se utilizou e entrou em compulsão, seja do álcool ou de outras drogas, busque o quanto antes uma ajuda especializada.
* Ricardo Patitucci é psiquiatra e diretor-médico da Clínica da Gávea
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