Publicado 29/06/2024 15:43 | Atualizado 29/06/2024 16:09
Existe uma velha máxima que diz: "Só faltou combinar com os russos". Ela normalmente é utilizada em contextos em que decisões são tomadas relativas a um grupo e, no entanto, este grupo jamais é ouvido.
PublicidadeÉ isso que vem acontecendo há bastante tempo com os direitos das mulheres. Quando falo mulheres, me refiro aos indivíduos nascidos do sexo feminino. Aqueles seres humanos que são oriundos da junção de cromossomos XX, que os designam como mulheres, não no momento do nascimento, como tem sido amplamente difundido, mas quando um espermatozoide carregando um cromossomo X foi mais esperto que os outros e fecundou o óvulo. Este não é um fenômeno sociológico, e sim biológico. Não é política, é ciência.
E foi por causa do seu sexo que mulheres foram aprisionadas, encarceradas e por que não dizer, domesticadas, durante o curso da humanidade. A luta das mulheres, de todas as classes sociais e etnias, por espaços separados sempre foi baseada em uma realidade biológica: machos humanos são em média mais fortes, mais ágeis, possuem maior capacidade aeróbica e são mais agressivos do que as fêmeas.
Presídios separados, banheiros separados, esportes separados, a biologia sempre se impôs e por isso esses espaços precisaram ser criados. Ninguém se importava, no século XVIII, com os abusos que as prisioneiras sofriam, muito menos com as crianças decorrentes deles. Já nos esportes, durante décadas, mesmo em pleno século XX, muitas categorias de esportes possuíam apenas a modalidade masculina, pois era considerado que tais esportes tornariam as mulheres “masculinas”.
Apenas em 2012 houve categoria feminina para todos os esportes nas Olimpíadas e consolidou-se a norma de que apenas esportes também com categorias femininas poderiam participar. Já na questão dos banheiros, os abusos foram constantes até o final do século XIX, quando finalmente foi entendido que homens e mulheres são biologicamente diferentes e estas são potenciais vítimas daqueles, sendo, portanto, necessária a segregação.
É nesse sentido também que foi elaborada nossa Carta Magna, na qual homens e mulheres são iguais perante a lei. Quando estabeleceu essa regra, o constituinte originário pretendia, obviamente, que fossem estendidos às mulheres os mesmos direitos dados aos homens, mas no limite das características que os desigualam: isso fica explícito, por exemplo, quando consigna que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (Constituição Federal, art. 5º, inciso XLVIII).
A integridade de todas as pessoas deve ser preservada pelo Estado quando estão sob sua custódia, mas as características biológicas das mulheres e o padrão de crimes sexuais de homens contra mulheres tornam necessária a separação dos detentos do sexo masculino. E quando falamos em características biológicas, estamos falando de sexo e isso é, obviamente, diferente de gênero.
A imposição do uso do “gênero” como marcador social, foi a primeira etapa de uma mudança que se desenha à nossa frente e que tem o potencial de fazer ruir todas as conquistas femininas do último século.
Em consonância com as sociedades de consumo modernas, a ideologia da afirmação de gênero vem para criar uma dissonância entre o sujeito e o seu próprio corpo, com consequências funestas para ambos. Como todo o resto, o corpo passa a ser algo a ser vendido e comprado, prometendo ao sujeito sua felicidade por meio da administração de hormônios, realização de cirurgias de forma a “corrigir” o erro da natureza.
Todavia, mais do que isso, como o corpo pode ser mudado, então o gênero “sentido” deve ser refletido no corpo e, sendo este subordinado àquele, passa a substituir a realidade material e fática. Como ele é fluido, não existe possibilidade de comprovação externa para além da autoafirmação.
A afirmação de gênero trouxe uma série de consequências funestas para a sociedade, cuja ponta do iceberg está apenas emergindo, enquanto os capitães desse Titanic brasileiro seguem firmes em sua direção, alegremente ignorando os navios já naufragados.
A primeira consequência, e que é o objetivo do debate deste artigo, encontra-se nos direitos femininos. A partir do momento que o sexo é substituído por gênero, sendo este autoafirmado, qualquer pessoa pode vir a se declarar mulher ou homem, pelo período que lhe for mais conveniente. Um atleta pode se declarar mulher para competir em uma modalidade feminina, sendo que contra seus pares não possuía nenhum destaque. Um abusador pode se declarar mulher para entrar em um banheiro e cometer crimes. Um condenado pode ser declarar mulher para ser destinado ao presídio feminino, normalmente menos sobrecarregado e violento que o presídio masculino.
No entanto, não bastava uma teoria rodando em meios acadêmicos para impor uma agenda anti-mulher e anti-criança, como a que embasa a teoria queer. Era necessário primeiro demonstrar que as mulheres biológicas, agora relegadas a subcategoria “cis” eram, em verdade, privilegiadas, pois as maiores violências seriam cometidas contra as “mulheres trans”.
Com base nessa necessidade de demonstrar vulnerabilidade, passaram a ser emitidos relatórios sobre violência contra a comunidade LGBTQIA+, mas, mais especificamente, contra as pessoas trans. Assim, ao longo dos anos foram sendo fabricadas estatísticas sem nenhuma escora na realidade: a expectativa de vida de 35 anos, a prostituição como ocupação quase exclusiva, o “genocídio” de pessoas trans.
Todas essas afirmações são desconstruídas com espantosa facilidade ao serem investigadas com alguma seriedade e, no entanto, os meios de comunicação, a grande mídia, aparentemente nunca o fizeram e, eventualmente, quando instados a fazê-lo, discretamente removem a premissa, mantendo a consequência, como se a lógica não se aplicasse quando o assunto são as pessoas trans.
Aliás, diga-se de passagem, quando se fala em pessoa trans aqui, normalmente fala-se de mulheres trans, pois, embora apoiem de forma cega as associações que têm sido porta-vozes dessas agendas, os homens trans (que são mulheres biológicas) não têm interesse em utilizar os espaços masculinos.
Ao contrário, como fica bem demonstrado no processo que tramitou no STF sobre transgêneros e travestis escolherem em qual presídio poderiam cumprir pena, a ADPF 527, o interesse dessas pessoas, cujo gênero é “homem”, é que continuem a ser tratados como mulheres quando se trata de lotação prisional. Em certo momento do processo, o resultado estava se desenhando para que os presídios fossem por “gênero”, ou seja, essas pessoas biologicamente mulheres teriam que ser alocadas em presídios masculinos. Eles peticionaram solicitando que fossem também para o presídio feminino, mesmo se autodeclarando como homens.
Uma das mais incoerentes da longa e triste história das decisões judiciais contraditórias foi tomada em liminar no mesmo processo: o relator determina que as mulheres trans podem ser tratadas de acordo com seu gênero, mas os homens trans sempre devem ser tratados de acordo com o seu sexo.
Ora, ou o sexo importa ou ele não importa, ou o gênero o suplanta, ou não. Uma decisão jurídica não pode comportar em seu âmago uma contradição.
Nosso Legislativo pouco fez para implementá-la, todavia, por meio de uma série de decisões judiciais equivocadas e de uma atuação contundente do Ministério Público e das Defensorias Públicas do país, em uma harmonia em que não os vemos em nenhum outro campo, aos poucos os espaços separados por sexo vêm sendo abolidos de todos os ambientes públicos e privados.
Mas a quem isso realmente impacta? Às mulheres.
Os homens continuam usando seus banheiros, vestiários e esportes da forma como sempre usaram. Um homem trans, por mais injeções de hormônios masculinos que tome (e que debilitam seriamente seu organismo não preparado para recebê-los), jamais conseguirá se equiparar a um homem biológico dentro dos mesmos termos. É por isso que não há reivindicações de homens trans requerendo ingresso em esportes masculinos. Como citado anteriormente, é preocupação dos homens trans, inclusive, que se mantenha a separação por sexo, quando, é claro, aplicada a eles.
Os homens continuam usando seus banheiros, vestiários e esportes da forma como sempre usaram. Um homem trans, por mais injeções de hormônios masculinos que tome (e que debilitam seriamente seu organismo não preparado para recebê-los), jamais conseguirá se equiparar a um homem biológico dentro dos mesmos termos. É por isso que não há reivindicações de homens trans requerendo ingresso em esportes masculinos. Como citado anteriormente, é preocupação dos homens trans, inclusive, que se mantenha a separação por sexo, quando, é claro, aplicada a eles.
Até aqui ninguém perguntou para as mulheres o que elas acham de terem homens biológicos em seus espaços privativos. Observando-se as dezenas de ações de controle difuso e concentrado de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, é realmente espantoso o grau de coordenação, controle, organização, fundamentos jurídicos e, obviamente, dinheiro envolvido nesse processo, uma vez que para possibilitar toda essa logística, vultuosos numerários precisam ser empregados. Quando o ator principal é o Ministério Público, é sabido de onde vêm o dinheiro, mas e nas dezenas de ações particulares?
Em qualquer dessas ações é possível observar literalmente dezenas de instituições, constituídas por machos da espécie humana ou representantes homens, ingressando no feito para autorizar que mulheres trans entrem em banheiros femininos, normalmente disfarçados sobre “separação por gênero”, mas que, convenientemente, deixam de fora a problemática dos “homens trans” antes citada.
Nos poucos locais em que isso é debatido conclui-se que devem utilizar os espaços… femininos, em uma incoerência que salta aos olhos.
Não se deve esquecer que a segurança dos presídios femininos é feita por mulheres, e que serão essas mulheres que serão obrigadas a policiar, conter e revistar indivíduos do sexo masculino autodeclarados mulheres e que, na quase totalidade, não fizeram, nem têm interesse em fazer cirurgia de redesignação sexual, o que diminuiria, mas não eliminaria a problemática.
Esse vazio de reflexões sobre os direitos das mulheres, que se encontram nos diversos textos sobre o assunto, desde jurídicos até reportagens jornalísticas, é muito simbólico do local que ainda ocupa a mulher em nossa sociedade. Um papel subalterno e subordinado ao homem, esteja ele de terno ou de vestido.
É essa farsa que se encontra em curso na cegueira voluntária dos operadores sociais que insistem em negar a ciência e a biologia. Negam a realidade material, transformando a materialidade em conceito, transmutando o conceito até se tornar adequado para se encaixar em sua conclusão, tomada a priori. No entanto, nenhum conceito acadêmico vai amparar a mãe recém-parida nos cuidados especiais que seu corpo requer, ou convencer de que sua filha de 13 anos está segura compartilhando banheiros e vestiários com meninos e homens.
Ouçamos, portanto, as mulheres.
*MATRIA - Mulheres Associadas, Mães e Trabalhadoras do Brasil
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