Publicado 15/07/2024 00:00
Já era de se esperar que o crescimento numérico de evangélicos no Brasil fosse amplificar, também, as vozes de representantes desta religião no debate público. Não é de hoje que igrejas se articulam politicamente para trabalhar pautas que sejam do seu interesse. Essa presença religiosa, em instâncias dos espaços de poder público, já é percebida na segunda metade do século passado.
PublicidadeNa década de 1960 a 'Igreja Pentecostal Brasil para Cristo' já tinha um deputado federal e um estadual eleitos. A partir dos anos 1980 outras denominações pentecostais e históricas elegeram representantes em diferentes Casas, até que no início dos anos 2000 foi formada a Frente Parlamentar Evangélica. Em todos os casos, trata-se de homens e mulheres eleitos democraticamente para defenderem os interesses daqueles que lhes confiaram o seu voto.
A pluralidade do campo evangélico tem apresentado à sociedade algumas das muitas faces deste segmento, e hoje há representantes desta religião tanto nos partidos que estão mais à direita quanto nos que se alocam mais à esquerda no espectro político. De qualquer forma, como há mais representantes religiosos conservadores do que progressistas, sempre que pautas mais sensíveis no campo da moral são postas em discussão, em alguma instância parlamentar, este segmento se posiciona majoritariamente de forma mais conservadora.
Quando situações como esta se configuram, é comum ouvir pessoas dizendo que a religião não deveria fazer parte do debate público. Uns alegam que a fé precisa ser mantida no templo ou em outro espaço privado; há quem diga, supostamente em nome do Estado Laico, que nenhuma religião deveria opinar nos rumos da sociedade. Entretanto, do conceito de laicidade do Estado garantido no art. 5º da Constituição Federal de 1988 não se infere que a religião está abolida da discussão pública.
Um agente religioso não tem o direito de defender sua visão de mundo, levando-a ao fórum competente para que seja debatida? Seria ele o único a ter que prescindir das suas crenças para tratar de qualquer matéria que diga respeito ao bem comum? Quais outros elementos formadores da visão de mundo de um indivíduo precisam ser postos de lado para que ele participe das discussões sobre o futuro de uma nação?
Minhas perguntas não dizem respeito à prevalência da opinião do sujeito religioso, mas ao direito que qualquer cidadão tem de participar do debate público a partir deste lugar - perdendo ou ganhando.
Minha distância pessoal da bancada evangélica é maior do que boa parte dos que me leem poderá supor. Não obstante, discordar frontalmente da maior parte das suas pautas não corresponde a trabalhar para que ela não tenha o direito de existir. Não apenas ela, mas qualquer outra confissão religiosa que se pretenda estar representada na Câmara, no Senado ou em outros espaços da República.
Afinal, em que consiste o jogo democrático, senão na tensão de vozes e ideias que ora se encontram, ora se desencontram visando a elaboração de pautas e políticas públicas? Jamais defenderei o estabelecimento de qualquer forma de teocracia. Sou de tradição religiosa Protestante, o que, por si, testemunha o meu apreço pelo Estado Laico. No entanto, quando ouço falas como as que mencionei acima a respeito do lugar da religião eu me pergunto a quais agendas interessa a supressão da voz evangélica no debate público brasileiro.
* Daniel Guanaes é formado em Teologia e Psicologia, e obteve seu PhD em teologia pelo Departamento de Teologia, Filosofia e História da Universidade de Aberdeen, Escócia. Atua como pastor na Igreja Presbiteriana do Recreio, no Rio de Janeiro, e como psicólogo clínico
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