Publicado 26/07/2024 00:00
Na era digital em que vivemos, a juventude moderna, particularmente entre os 15 e 29 anos, enfrenta um dilema profundamente enraizado nas dinâmicas das redes sociais e na busca incessante por validação externa. Em tempos passados, a construção da identidade e do valor pessoal era fortemente mediada por experiências diretas e relações humanas autênticas, cultivadas em espaços físicos da cidade e no calor do convívio social.
PublicidadeNo entanto, a contemporaneidade trouxe consigo uma mudança paradigmática. As interações físicas deram lugar às digitais, e a presença online passou a ser uma extensão, se não a principal expressão, do ser. O número de likes, seguidores e amigos virtuais tornou-se um indicador de sucesso, uma moeda de troca que valida a existência e o valor individual.
Nesse cenário, surge a pergunta: estamos, de fato, vivendo a vida que vale a pena ser experimentada, ou estamos, cada vez mais, nos moldando para agradar a plateia digital? A lógica do aplauso virtual subverte a autenticidade. Em busca de aprovação, muitos jovens estão dispostos a sacrificar sua lucidez, inteligência e sabedoria, transformando-se em produtos de um mercado onde as identidades são mercadorias vendáveis.
A pressão para ser notado e aplaudido cria uma narrativa de existência baseada em performatividade, onde o “eu” autêntico é constantemente ajustado para atender às demandas do mercado de likes. Nesse processo, a essência individual corre o risco de se diluir, cedendo espaço a uma identidade superficial, calibrada para a aceitação massiva.
Como Zygmunt Bauman argumenta em sua obra sobre a modernidade líquida, vivemos em uma era onde “nada é feito para durar”. As relações, assim como as identidades, são fluidas, adaptáveis e constantemente moldadas para atender às exigências efêmeras do momento. A busca por validação nas redes sociais exemplifica essa liquidez, onde a permanência dá lugar à transitoriedade, e o significado profundo é substituído pelo imediatismo do aplauso virtual.
Milton Santos, ao discutir os efeitos da globalização, alerta para a “tecnologia banalizada”, onde a aceleração da informação e a superficialidade das interações são predominantes. A cidade, outrora palco de encontros e trocas genuínas, torna-se um espaço onde as interações humanas são mediadas por telas e algoritmos, reforçando a lógica do consumo e da imagem.
Nesse contexto, surge a ideia de Sociedade 5.0, um conceito que visa integrar tecnologias avançadas para resolver problemas sociais e criar um equilíbrio entre progresso econômico e resolução de desafios sociais.
No entanto, podemos questionar: será que essa visão otimista leva em conta os desafios identitários e a superficialidade das interações humanas promovidas pelas tecnologias digitais? A Sociedade 5.0 promete um futuro onde a tecnologia serve ao bem-estar humano, mas na prática, estamos vendo uma juventude cada vez mais presa às armadilhas da validação virtual e da superficialidade.
O que significa viver em função da compra do like? Significa priorizar o imediatismo da aprovação externa sobre a profundidade da autoexploração e do desenvolvimento pessoal genuíno. É abrir mão de uma existência rica em significado e repleta de experiências tangíveis, em troca de uma presença online que muitas vezes é efêmera e vazia.
A geração atual enfrenta o desafio de equilibrar sua presença digital com a construção de uma vida autêntica. A tentação de se tornar um produto vendável nas redes sociais é grande, mas é crucial lembrar que o valor de uma vida plena não pode ser medido pelo número de seguidores ou curtidas. A verdadeira realização reside na autenticidade, na busca por relações significativas e no compromisso com um crescimento pessoal que transcende as fronteiras do digital.
Em última análise, a juventude contemporânea deve refletir sobre o custo de se vender no mercado líquido das demandas identitárias das redes sociais. A escolha entre viver para o aplauso virtual e cultivar uma existência verdadeiramente significativa é um dilema que define nosso tempo e, talvez, o futuro de nossa humanidade.
* Allan Borges é doutorando em Direito da Cidade pela Uerj e executivo ESG e de Inovação da Cedae
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