Infográfico Arte
Publicado 02/08/2024 00:00
Em mais um surto de destempero verbal, o presidente da República comparou a destruição econômica que “eles” produziram após o impeachment de Dilma às terras arrasadas pelo líder israelense, Netanyahu, na faixa de Gaza. A comparação do Brasil produtivo à situação atual em Gaza não tem pé nem cabeça. Lula compara um gigante, embora acorrentado e dopado – mas gigante – a uma ínfima faixa de deserto, espremida entre Israel e o mar Mediterrâneo. Ainda não apareceu ninguém com capacidade destrutiva para arrasar o Brasil. Mas Dilma bem que tentou. Por isso, as ruas a empurraram para fora. Mas Dilma deixou sua marca indelével na maior recessão já sofrida pela economia brasileira desde a Grande Depressão do século passado.
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Basta consultar o quadro e mirar as linhas da indústria manufatureira ali mostradas, que excluem a extração mineral. Além do índice médio, que espelha o comportamento geral da indústria de transformação, há alguns desempenhos setoriais, como a produção de Bebidas, de Papel e Celulose, de Equipamentos de Computação e Eletrônicos e, por último, de Vestuário. O índice médio da indústria põe por terra a narrativa fantasiosa de Lula . Estamos capengando, como indústria, desde 2003, quando um outro Lula, mais humilde e menos verborrágico, assumiu o timão do barco Brasil pela primeira vez. Nos seus dois mandatos iniciais, com mais humildade para aprender e melhores colaboradores para o orientar, Lula ainda conseguiu empurrar para cima o desempenho industrial médio. Mas não em todos os segmentos pois, em alguns deles, como o Têxtil e de Vestuário, o recuo vem ocorrendo desde então. Humildade, a China e o agronegócio ajudaram muito o currículo de Lula até 2010. Estudando a linha da indústria, observamos o que passou a partir da chegada da sucessora dele. A indústria parou de crescer e, em 2014, ainda na primeira gestão Dilma, entrou em parafuso, numa queda livre da produção. Mesmo reeleita por exígua margem, Dilma não desconfiou dos próprios erros nem entendeu o recado das marchas de protesto de 2013, que varreram o Brasil de norte a sul. O desastre que se seguiu, com o mergulho da produção industrial, não foi sanado até hoje. Voltamos a 2004. Recuamos vinte anos em potência industrial. E Lula voltou para seu terceiro mandato. Após quase dois anos, a indústria segue estagnada e os setores mais expostos ao Custo Brasil (como Vestuário e Eletrônicos, com cruel concorrência externa) seguem em marcha para o buraco.
Mesmo assim, o Brasil não é a faixa de Gaza. Isso se torna evidente quando visitamos o pujante interior agrícola do nosso País. Tampouco podemos dizer que alguém nos ataca e destrói como inimigo externo. Somos nós que produzimos nossos próprios demônios domésticos. E a eles temos nos submetido, como vassalos de sua soberba ignara. Até quando?
Economistas também se esforçam para compreender o fenômeno da estagnação estrutural da indústria, que alguns chamam, numa generalização tosca, de “desindustrialização precoce”. O colega Edmar Bacha, entre alguns outros, tenta imputar o recuo industrial a uma “falta de capacidade” de vários segmentos industriais em conseguir competir lá fora e ganhar o mercado mundial. Tese estranha, cujos dados da indústria desmentem. Nada há de errado com a produtividade da indústria brasileira do portão da fábrica para dentro. A questão são os demônios que a rodeiam por fora dos muros. Um exércitos de zumbis e vampiros, que sugam os segmentos industriais, em variados graus, com um “custo Brasil” de, pelo menos, R$1,5 TRILHÃO anual, entre juros pornográficos, tributos safados, exigências estapafúrdias, a previdência social mais onerosa do planeta, entre outras demonices. Poucos segmentos industriais, como Bebidas e Papel e Celulose, menos afetados por tais demônios, apresentam desempenhos bastante positivos. O quadro mostra isso. Ou seja, a indústria brasileira se torna não-competitiva como resultado de uma outra “indústria”, que funciona a pleno vapor em Brasília, com o exclusivo objetivo de derrubar a capacidade competitiva nacional. O Estado obeso, a máquina pública estrondosamente ineficiente, os sugadores de altos salários e verbas públicas secretas, estes sim, são os responsáveis pela Gaza industrial brasileira, que alguns economistas acadêmicos se recusam a enxergar, talvez por algum pacto obscuro em favor da perpetuação do país dos privilégios.
* Paulo Rabello é economista, ex-presidente do BNDES e do IBGE
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