Eugênio CunhaDivulgação
Publicado 01/10/2024 00:00
Deixar o celular e pegar um livro: eis uma questão permanente na sociedade contemporânea. A passagem do formato impresso para o digital ocorreu de forma acelerada nos últimos anos. A leitura não se restringe ao papel, mas também se estende para outros suportes digitais, produzindo um novo modelo de leitor. Em termos quantitativo, a geração de estudantes atual lê mais do que as gerações passadas. Pequenos textos no WhatsApp, leituras homeopáticas no feed do Instagram, legendas de vídeos e curtas mensagens no celular possibilitaram que o nosso contato com o mundo letrado se transportasse para uma relação virtual, surgindo o hipertexto, em que as narrativas são paralelas, não lineares e instantâneas. São novas experiências com a palavra.
Publicidade
Em razão do contato diário com as tecnologias digitais, a aprendizagem da nova geração está estreitamente ligada ao processo de criação, de identidade e de autonomia. Não se aprende apenas por memorização, mas também pelo envolvimento nos mecanismos de construção do conhecimento, por meio da resolução de problemas, pensamento reflexivo e atividade. Dessa forma, as competências são melhor desenvolvidas. É um fato positivo.
Decerto, isso traz sensíveis modificações no cérebro de crianças e estudantes da escola. Não existe em nós base genética para uma definição da forma como iremos adquirir o letramento. Os fatores da organização da leitura são formados culturalmente, por estímulos ambientais.
Diferentemente de outras habilidades, como andar e falar, para ler e escrever não há uma programação automática do cérebro. É o uso social da palavra que permite ao cérebro descortinar o processo da leitura e da escrita. Estamos numa transição de metodologias de ensino, que se baseiam no passado analógico, para um presente digital de imediatismo, em que a velocidade não significa a conquista do tempo, pois apesar de fazemos mais coisas, ainda nos falta tempo para fazermos o que é essencial e inegociável.
Para o letramento, é fundamental a prática da escrita e da leitura no papel, permitindo a integração sensório-motora, maior envolvimento e controle dos sentidos e dos movimentos motores finos. Essas evidências neurocientíficas mostram que escrever e desenhar à mão ativam mais redes neuronais em comparação com a técnica da digitação. Os movimentos finos dos dedos ao escrever contribuem mais para o aprendizado cognitivo e motor, em comparação com o touch screen.
Ler e escrever é uma construção social, no mundo impresso ou digital. Usufruir dos benefícios tecnológicos não significa abandonar a cultura literária que forjou a civilização humana. As escolas precisam investir mais na escrita e na leitura no papel, não como um combate às tecnologias digitais, mas como uma preparação para elas e para a vida.

* Eugênio Cunha é professor e doutor em educação
 
Leia mais