Publicado 02/10/2024 00:00
Em meio à turbulência da sociedade atual, a instituição escolar precisa lidar com consequências muito perigosas como ser vítima do caos externo e, dessa forma justificar sua inação e perpetuar sua própria desordem interna. O cenário educacional brasileiro revela uma realidade complexa, onde a escola ora sucumbe às adversidades, ora as incorpora como parte de seu cotidiano.
PublicidadeEtimologicamente, a palavra "caos" nos remete à confusão e imprevisibilidade. Em meio a situações caóticas externas, a escola frequentemente se vê paralisada. Em desastres naturais, transforma-se em abrigo para desalojados. Diante de crises econômicas, fecha as portas por falta de recursos. Em epidemias, interrompe suas atividades para conter a propagação de doenças e, diante do caos político-ideológico no qual mergulhamos há alguns anos, a escola torna-se palco de ataques, aos quais responde com o silêncio e tentativa de neutralidade.
Paradoxalmente, o único caos que não paralisa a escola é aquele que ela mesma produz e absorve como uma "trilha sonora" de sua existência possível. A falta de estrutura é contornada com criatividade. Salários baixos são enfrentados com resignação. Greves são compensadas com reposição de aulas. Baixo nível de aprendizagem é encarado com adestramento para avaliações externas e a frustração profissional é medicada com antidepressivos.
Reconhecer, analisar e enfrentar a desordem como um componente real que interfere nas ações educativas é um desafio que a escola tradicionalmente evitou. Historicamente concebida como um espaço de ordem e previsibilidade, a instituição escolar reluta em incorporar o caos em seu currículo, mesmo quando este se torna a tônica da dinâmica social nas últimas décadas. O currículo "instrucionista" ainda predomina, transformando a sala de aula em um reduto de verdades absolutas em meio a um mundo caótico. Esta dissonância entre a realidade escolar e o contexto social mais amplo contribui para o desinteresse e a desmotivação de muitos estudantes.
Em um mundo cada vez mais imprevisível, a escola precisa agir entre a ordem e o caos, a rigidez e a flexibilidade, a tradição e a inovação. Só assim poderá cumprir seu papel de formar cidadãos capazes de navegar e transformar uma realidade caótica em constante mutação. Ou aprendemos a lidar com o caos na escola ou seremos a escola do caos.
* Júlio Furtado é professor e escritor
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