Publicado 06/10/2024 00:03
Passos lentos, ela vem da Igreja. É dia de Santa Teresinha. Nas mãos, algumas rosas. As que consegue carregar. Nos encontros, as entregas. E as palavras.
As palavras explicam o valor da delicadeza. Quando entra no prédio em que mora há anos, ouço as conversas que dizem da gentileza de Dona Joana. As quenturas da vida não a esquentam. As friezas dos homens não a congelam. Um dos que trabalham, há mais tempo, diz ter conhecido o seu marido. Diz do falecimento. Do antes, quando passeavam de mãos dadas. Também ele gentil. Tinha o nome do Santo que também se celebra nessa semana, Francisco. Certamente, Joana irá a Igreja, cantará canções e nos presenteará com seu sorriso.
Converso com Manoel que trabalha no prédio. Ele, a rosa na mão, oferece. Eu agradeço. Ele disse que eu poderia aceitar e que deveria entregar para alguém. Que foi isso que Dona Joana ensinou. Era como se espalhássemos a delicadeza. Eu ouço. Ele prossegue.
-- Dona Joana disse que Santa Teresinha morreu cedo e que pediu a Deus que uma chuva de pétalas de rosas caísse dos céus para acalmar a humanidade.
Eu aceito a rosa. Pego em minhas mãos e fico olhando e pensando. Ele prossegue.
-- Como eu gosto dessa senhora.
Eu brinco.
-- Da Santa ou da Joana?
-- Da Santa ou da Joana?
Ele não se avexa.
-- As duas são santas.
Eu gosto da assertividade. As ruas também são altares em que se deve inspirar o amor. José, que trabalha há mais tempo, pergunta se eu conheci o marido de Dona Joana, o Seu Francisco. Eu digo que não. Que conheço o santo.
-- As duas são santas.
Eu gosto da assertividade. As ruas também são altares em que se deve inspirar o amor. José, que trabalha há mais tempo, pergunta se eu conheci o marido de Dona Joana, o Seu Francisco. Eu digo que não. Que conheço o santo.
José fala. Eu ouço. Ouço e penso no Santo. E penso no quanto os valores da delicadeza, da bondade estão empoeirados nas prateleiras do desuso. Pergunto quanto tempo faz que morreu o marido de Joana. José diz que há mais de 20 anos. E prossegue:
-- Eu me lembro dele, não tem como esquecer.
Francisco de Assis morreu há quase 800 anos e não nos esquecemos dele. Os que trabalham no prédio prosseguem a conversa e dizem dos que nada dizem quando entram e saem.
-- Nem um bom dia. Nem um muito obrigado.
Eu prossigo com eles, com a rosa na mão. Então, entra uma outra senhora. Que me diz ‘bom dia’ e a quem eu entrego a rosa, dizendo que foi presente do Manoel que ganhou de presente da Joana e que veio de Santa Teresinha. Ela pega a rosa, oferece um sorriso, agradece e entra. José diz que ela só falou com eles, porque eu estava lá. Eu digo que não percamos a esperança. Que algumas pessoas são tímidas. Manoel discorda:
Eu prossigo com eles, com a rosa na mão. Então, entra uma outra senhora. Que me diz ‘bom dia’ e a quem eu entrego a rosa, dizendo que foi presente do Manoel que ganhou de presente da Joana e que veio de Santa Teresinha. Ela pega a rosa, oferece um sorriso, agradece e entra. José diz que ela só falou com eles, porque eu estava lá. Eu digo que não percamos a esperança. Que algumas pessoas são tímidas. Manoel discorda:
-- Tímidas quando é com os pobres, com os empregados?
Eu aceno com a cabeça mostrado concordância. Ele prossegue:
Eu aceno com a cabeça mostrado concordância. Ele prossegue:
-- Tem um que não sai da Igreja e que, quando tem empregado no elevador, ele manda sair. Pode isso?
Antes de eu dizer que não pode. Nem pela lei, nem pela civilidade, nem pela religião, José participa:
-- Imagina se Seu Francisco faria isso, nunca. Nem dona Joana. Eles entendem de Deus.
Achei forte a expressão "eles entendem de Deus". Joana completou, há pouco, 98 anos. O seu nome vem do hebraico e significa "Deus é gracioso". Já fui algumas vezes visitar minha vizinha. E, de fato, ela é agraciada por Deus. As fotografias dos tempos da sua vida mostram que a felicidade nunca se incomodou com as mudanças das estações. Não há ninguém que viva só de primaveras. O sofrimento é uma presença que não temos o poder de desconvidar. Mas, se compreendermos, pode ser uma presença ensinadora.
Uma das alegrias da quase centenária mulher é que seus filhos são bons. O maior sucesso da vida de alguém é ser bom. É isso que ela acredita, creditando aos pais esse ensinamento.
Um dia, entre os goles do café com leite e as mordidas de um pão que Joana gosta de molhar antes de levar à boca, ela falou da coragem dos seus pais. Imigrantes. Fugidos da guerra:
-- Guerra, meu Deus! A guerra é sempre um fracasso da humanidade inteira.
Joana prosseguiu dizendo da dor da mãe, quando dizia que ela sobreviveu, mas que as irmãs morreram:
-- São todos irmãos nossos, não é?!
Ao fundo, o som bonito das bachianas de Villa Lobos. O meu silêncio de aprendiz escutava e olhava o sol se pondo e dizendo o fim do dia. Não. Não era momento de pensar em despedidas. Afinal, "Deus é gracioso", estar com Joana é muito mais convidativo a imaginar um dia amanhecendo...
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