Paulo Rosenthal. Advogado, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Coordenador do Grupo Judaísmo sem PartidoDivulgação
Publicado 04/11/2024 00:00
No Brasil, diferentemente de muitos países, pessoas das mais diversas etnias e religiões vivem e convivem num ambiente de rara e notável harmonia. Muitos erros históricos foram cometidos por aqui. Algumas passagens vergonhosas, notadamente a escravidão dos negros, o tratamento desumano aos povos indígenas e a proibição da entrada de judeus refugiados no país.
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Sim, houve um período em que o Brasil negou a entrada de judeus simplesmente por serem judeus. Também, por certo tempo, a Inquisição promovida pela Igreja Católica foi aplicada no Brasil, perseguindo judeus e cristãos novos que fugiam da Inquisição Europeia. Nenhum outro povo foi barrado ou perseguido no Brasil dessa forma. Mas em nome da superação, tomemos isso como coisa do passado.
No Líbano, judeus e cristãos sempre viveram em harmonia e, devido à perseguição por parte de muçulmanos, muitos cristãos e judeus libaneses mudaram-se para o Brasil, onde mantiveram ótimas relações com o povo brasileiro. Como depoimento pessoal eu, um judeu, sou muito bem casado com uma mulher de origem libanesa e cristã.
Não muito tempo atrás, a convite de um amigo cristão libanês, participei de um jantar em um prestigioso clube social da comunidade libanesa. Como sempre, fui muito bem tratado e a comida estava deliciosa.
Meu amigo, que é muito brincalhão, trouxe à nossa mesa, para me apresentar, um membro do Hezbollah. Após meu amigo me apresentar como "yahud" (judeu), o sujeito se afastou de forma visivelmente antissocial. Foi até engraçado. Imediatamente questionei outros amigos presentes sobre o motivo de haver membros do Hezbollah no evento.
A resposta foi unânime: "Precisamos fazer atos de boa vizinhança para eles". Ficou evidente que existe uma relação de medo dos cristãos libaneses com outros grupos, tanto no Líbano quanto, impressionantemente, aqui no Brasil. Não me cabia, como não me cabe, tecer críticas àquele que é subjugado. Desde então nada mudou na minha relação com amigos e familiares libaneses cristãos. Entender aquilo que me foi explicado até me aproximou mais deles, uma vez que sofremos de problemas parecidos nesse aspecto.
Após o massacre de 7 de outubro de 2023 e o início dos bombardeios do Hezbollah contra populações civis no norte de Israel no dia 8 de outubro, nunca me referi ou ouvi referências de outros judeus no sentido de ataques "libaneses" a Israel. Sei que o sul do Líbano tem sido dominado pelo Hezbollah, e o exército daquele país pouco pode fazer. Então, não é o Líbano que atacou Israel, o agressor tem um único nome: Hezbollah.
Nenhuma guerra é bonita. Guerras são detestáveis e sangrentas. Aquelas promovidas e incitadas por grupos terroristas são as mais horrendas, especialmente quando a população civil sofre. A luta contra o terror assume um teor mais dramático exatamente porque a tática dos extremistas é usar a própria população deixada na frente de batalha como escudos humanos. Não é uma especulação, isso é confessado abertamente por todos eles. Além de crime de guerra isso constitui um crime contra a humanidade. E quem está cometendo o crime é exatamente o atual exército de inimigos da humanidade que dominou o Líbano transformando aquele país – principalmente na região sul – num vassalo dos aiatolás. O atual regime ditatorial de Teerã — cujo apoio popular é inferior a 20% — instrumentaliza à distância seus proxies com recursos, armas e violência, não apenas contra o país vizinho, Israel, mas contra a própria população libanesa como recentemente atestou o Primero Ministro Libanês Najib Mikati.
Quem não enxerga isso de forma clara parece pertencer a um desses dois grupos: no das pessoas desinformadas ou no daquelas que, mesmo informadas e conscientes, preferem estar do lado do mal.
Tenho certeza de que vocês, médicos renomados, que assinaram a manifestação publicada pelo Jornal Folha de São Paulo no dia 21/10/2024, com a manchete "Pela paz, pelas vidas", não se enquadram em nenhum desses dois grupos. Mas fica aqui uma respeitosa reflexão: se a sua manifestação tenha sido motivada por medo como o exemplo ocorrido no clube social supra referido, essa circunstância não se justifica e merece uma revisão ou, no mínimo, uma complementação a respeito do que foi escrito como proposta de caminho para a paz verdadeira e duradoura.
Sim, porque o texto fala da desgraça da guerra sem mencionar as razões que motivaram sua deflagração. Não fala do terrorismo que só existe em Israel na região. Não fala da saraivada de mísseis vindos de todos os lados contra Israel, inclusive a partir do Líbano. O texto também cala sobre os mais de cem reféns mantidos em cativeiro desumano há mais de ano, inclusive parentes próximos de pessoas que conhecemos.
Dessa forma, Senhores, para a paz verdadeira e duradora, não se pode levar o leitor a erro e, como consequência certamente involuntária, a ideia de ódio contra um único povo. Reflitam, Senhores, o texto lançado por V.Sas. é injustificável e mereceu essa resposta para recalibrar adequadamente o debate.

* Paulo Rosenthal é advogado, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Coordenador do Grupo Judaísmo sem Partido
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