Publicado 05/11/2024 00:00
A Reforma Protestante completa 507 anos neste dia 31 de outubro. O movimento religioso do século XVI, do qual a igreja evangélica brasileira é herdeira, tem na livre interpretação da bíblia um valor fundamental, e isso explica a pluralidade de denominações presentes nesse segmento. Por outro lado, suscita uma pergunta: até onde vai a liberdade de consciência no exercício da fé protestante?
Sei que a luta pela liberdade de consciência na Reforma é tratada como uma das glórias do movimento evangélico. Citamos com orgulho a resposta de Lutero na Dieta de Worms, em 1521, quando intimado a se retratar dos seus ensinos: “a menos que eu seja convencido pelas Escrituras e pela razão pura, minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Eu não posso e não vou me retratar de nada, pois não é seguro nem certo ir contra a consciência”.
Entretanto, a liberdade de interpretação dos textos sagrados não é absoluta no protestantismo. Quando uma pessoa começa a ler a bíblia de uma maneira que diverge da sua tradição, ela frequentemente encontra resistência na própria comunidade. O teólogo e pastor luterano Valdir Steuernagel explica que isso acontece porque “na fé protestante você lê as escrituras por si, mas tem na comunidade a sua chancela hermenêutica.”
As denominações históricas, como a Presbiteriana e a Luterana, costumam ter catecismos, que são compêndios com os seus princípios doutrinários fundamentais. Eles são usados como ferramenta de instrução religiosa aos novos convertidos, que ao subscreverem aquelas doutrinas revelam estar alinhados com a interpretação que aquela igreja faz da Bíblia.
Quando há uma tensão entre a consciência do indivíduo e a validação da igreja, é comum acontecer uma ruptura com a estrutura denominacional existente. Como resultado, surge uma nova congregação. Nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo, isso ocorreu no protestantismo brasileiro provocado por divergências litúrgicas. Discussões sobre gêneros musicais e utilização de instrumentos populares nos cultos deram origem a comunidades independentes. Por sua vez, atualmente há uma crescente de igrejas formadas a partir de disputas teológicas, sobretudo em divergências nas leituras dos textos sobre gênero e sexualidade.
Ainda que sejam alvo de críticas por suas preferências litúrgicas ou interpretações teológicas, essas novas igrejas se identificam como parte do campo evangélico. Como a estrutura eclesiástica protestante é descentralizada, não existe uma autoridade central que decrete uma excomunhão válida para todo o movimento.
E nem deve haver. A noção do que é ser protestante é esvaziada caso não se preserve a todos o direito de interpretar por si sistemas e realidades, oferecendo inclusive críticas e contribuições para mudanças. Como lembra Steuernagel, é próprio do protestantismo se abrir a novas leituras, mesmo havendo a chance de estarem erradas, porque isso protege o movimento de voltar ao modelo de um monopólio interpretativo da bíblia que seja autoritário.
O que une os protestantes não é a concordância acerca dos limites de interpretação de quem adere ao movimento, mas a convergência naquilo que representa o seu fundamento.
Denominações históricas, pentecostais e comunidades independentes divergem em muitos aspectos, mas reconhecem a bíblia como autoridade em questões de fé e prática, enfatizam o relacionamento pessoal com Deus através de Jesus Cristo e defendem a importância da vivência comunitária. A partir deste solo comum, mas sem perdê-lo de vista, o protestantismo se constrói.
Não há uma resposta objetiva que defina até onde vai a liberdade de consciência no exercício da fé desse crescente campo religioso. Mas vale lembrar uma frase conhecida no protestantismo: Ecclesia semper reformanda est, expressão latina que significa “a igreja deve estar sempre se reformando”.
PublicidadeSei que a luta pela liberdade de consciência na Reforma é tratada como uma das glórias do movimento evangélico. Citamos com orgulho a resposta de Lutero na Dieta de Worms, em 1521, quando intimado a se retratar dos seus ensinos: “a menos que eu seja convencido pelas Escrituras e pela razão pura, minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Eu não posso e não vou me retratar de nada, pois não é seguro nem certo ir contra a consciência”.
Entretanto, a liberdade de interpretação dos textos sagrados não é absoluta no protestantismo. Quando uma pessoa começa a ler a bíblia de uma maneira que diverge da sua tradição, ela frequentemente encontra resistência na própria comunidade. O teólogo e pastor luterano Valdir Steuernagel explica que isso acontece porque “na fé protestante você lê as escrituras por si, mas tem na comunidade a sua chancela hermenêutica.”
As denominações históricas, como a Presbiteriana e a Luterana, costumam ter catecismos, que são compêndios com os seus princípios doutrinários fundamentais. Eles são usados como ferramenta de instrução religiosa aos novos convertidos, que ao subscreverem aquelas doutrinas revelam estar alinhados com a interpretação que aquela igreja faz da Bíblia.
Quando há uma tensão entre a consciência do indivíduo e a validação da igreja, é comum acontecer uma ruptura com a estrutura denominacional existente. Como resultado, surge uma nova congregação. Nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo, isso ocorreu no protestantismo brasileiro provocado por divergências litúrgicas. Discussões sobre gêneros musicais e utilização de instrumentos populares nos cultos deram origem a comunidades independentes. Por sua vez, atualmente há uma crescente de igrejas formadas a partir de disputas teológicas, sobretudo em divergências nas leituras dos textos sobre gênero e sexualidade.
Ainda que sejam alvo de críticas por suas preferências litúrgicas ou interpretações teológicas, essas novas igrejas se identificam como parte do campo evangélico. Como a estrutura eclesiástica protestante é descentralizada, não existe uma autoridade central que decrete uma excomunhão válida para todo o movimento.
E nem deve haver. A noção do que é ser protestante é esvaziada caso não se preserve a todos o direito de interpretar por si sistemas e realidades, oferecendo inclusive críticas e contribuições para mudanças. Como lembra Steuernagel, é próprio do protestantismo se abrir a novas leituras, mesmo havendo a chance de estarem erradas, porque isso protege o movimento de voltar ao modelo de um monopólio interpretativo da bíblia que seja autoritário.
O que une os protestantes não é a concordância acerca dos limites de interpretação de quem adere ao movimento, mas a convergência naquilo que representa o seu fundamento.
Denominações históricas, pentecostais e comunidades independentes divergem em muitos aspectos, mas reconhecem a bíblia como autoridade em questões de fé e prática, enfatizam o relacionamento pessoal com Deus através de Jesus Cristo e defendem a importância da vivência comunitária. A partir deste solo comum, mas sem perdê-lo de vista, o protestantismo se constrói.
Não há uma resposta objetiva que defina até onde vai a liberdade de consciência no exercício da fé desse crescente campo religioso. Mas vale lembrar uma frase conhecida no protestantismo: Ecclesia semper reformanda est, expressão latina que significa “a igreja deve estar sempre se reformando”.
* Daniel Guanaes, PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)
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