William Douglas é professor de Direito Constitucional Reprodução / Redes Sociais
Publicado 04/12/2024 11:24
Sou apaixonado pela atividade policial e defendo uma maior atenção e investimento na Polícia, o que inclui a valorização dos agentes policiais. Estamos diante de uma função essencial, relevante e difícil. A valorização da instituição inclui perceber e enfrentar os abusos, não como uma forma de perseguição, mas como uma medida de constante aperfeiçoamento.
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Cito aqui 8 notícias veiculadas nos últimos 60 dias, em vários estados da Federação, que exemplificam o momento atual:
1. PM que já responde por violência doméstica é preso por agredir a ex e é solto em audiência. 08/10/2024 | Tianguá, CE.
2. Abordagem da PM na BA tem chute em eleitor e tiro para o alto.
27/10/2024 | Camaçari, BA.
3. PM do DF ameaça ex da atual namorada. 10/11/2024 | Brasília, DF.
4. Advogada e servidora do MP são agredidas por PMs em mercado. 09/11/2024 | Içara, SC.
5. Sargento aposentado da PM atira contra crianças que o alertaram sobre a seta do carro. 30/11/2024 | Itanhaém, SP.
6. PM joga homem do alto de uma ponte em São Paulo. 02/12/2024 | São Paulo, SP.
7. PM matou mototaxista por discussão sobre R$ 7. 03/12/2024 | Camaragibe, PE.
8. Homem é morto a tiros por PM de folga após tentar furtar sabão em mercado. 03/11/2024 | São Paulo, SP.
Esses casos apenas ilustram uma série de acontecimentos que se deram em todo Brasil, pois não foram as únicas ocorrências. Há outros, o que mostra a gravidade e a frequência de casos como esses, que são lamentáveis e comprometem a credibilidade da própria instituição policial. Todos ainda deverão ser apurados, com devido processo legal, podendo ser que a manchete não represente a realidade, mas são as notícias que temos lido em número intolerável. Erros acontecem, mas erros nessa quantidade não podem acontecer.
Sou ex-policial e tenho enorme respeito pela atividade policial. Sempre defendi e continuarei defendendo a Polícia, e isso inclui buscar o seu aperfeiçoamento. Nesse sentido, alerto que ignorar abusos tem triplo efeito negativo: premia e incentiva os abusos, desprestigia os policiais que agem dentro dos limites da legalidade e depõe contra a imagem da instituição.
A atividade correicional deve ser prioritariamente preventiva, o que envolve treinamento rotineiro. Em paralelo, não pode haver descuido na apuração dos eventuais abusos.
Sempre que posto, em redes sociais, algo sobre a polícia, recebo respostas extremas: de um lado, quem acha que não se pode criticar a polícia; de outro, quem não consegue entender que erros existem em todas as instituições ou, pior, afirma que é preciso acabar com a Polícia. Alguns parecem presumir a culpa do policial, outros relativizam atos ilegais. Alguns querem a morte dos delinquentes, outros acham que eles são "vítimas da sociedade" imunes ao Código Penal. Todas estas posições são equivocadas.
O caminho correto é o do equilíbrio, baseado na Constituição, nas leis e no respeito aos direitos fundamentais de todos. Ao pensar na carreira policial, devemos lembrar que é uma atividade que, por natureza, envolve risco de vida e um grau de estresse muito maior do que o enfrentado, por exemplo, por magistrados, membros do Ministério Público, políticos, jornalistas e professores da área, que são (ou apenas se intitulam) “especialistas em segurança pública”.
As difíceis condições que enfrentam são constantes e, por óbvio, não autorizam ou relativizam o abuso de autoridade e a violência desnecessária. Menciono o termo "violência desnecessária" porque há sonhadores nefelibatas que imaginam ser possível combater o crime sem o uso da força. A atividade deve ser feita com inteligência, mas, cedo ou tarde, serão necessários a força, o tiro e a prisão como formas de enfrentamento da violência cometida pelos criminosos. Não custa lembrar que hoje existem áreas fora do controle do Estado, nas quais a população esta à mercê da "lei" do tráfico ou da milícia.
Dito isso, algumas medidas são urgentes e devem ser implementadas nas delegacias, quartéis e agrupamentos policiais de todo o país:
1. Investigação célere dos abusos, com devido processo legal, ampla defesa e contraditório;
2. Reciclagem de toda a tropa, conduzida por profissionais imparciais, que não reproduzam a polarização acima mencionada;
3. Atenção à saúde e ao estado emocional dos policiais.

Todos sabem que o número de suicídios entre policiais é alarmante e está crescendo. Além disso, vemos casos de violência que, muitas vezes, atingem cidadãos e frequentemente também afetam os próprios policiais e/ou suas famílias.
Os oito casos citados e outros semelhantes são apenas uma face da moeda. A outra é a desesperança e a angústia, problemas que têm crescido na tropa. Quem agride a si mesmo ou a quem ama certamente revela um estado psicológico que merece atenção e tratamento. Quem usa a carteira para abusar também pode estar passando por isso, ou então está mal treinado e mal orientado.
Abusos de autoridade, excessos de rigor, violência doméstica, alcoolismo e suicídios são apenas sintomas. Ou as autoridades enfrentam as causas, ou cada vez mais viveremos a situação caótica que hoje se apresenta.
Os policiais também precisam ser ouvidos para que as soluções sejam pensadas a partir dos problemas estruturais e de saúde física e emocional por eles vividos. A requalificação urgente da tropa também deve ser feita, mas com conteúdo equilibrado a ser definido com diálogo entre as visões de mundo hoje em conflito. Requalificar com uma visão extremista, qualquer que seja seu viés, na verdade não é "requalificar". Só desperdiçará tempo, recursos e esperanças.
Enquanto um lado disser que não se pode criticar a polícia e o outro que ela precisa ser extinta, só teremos piora do quadro. As autoridades, os políticos, a mídia e a sociedade precisam achar o caminho do diálogo, das ações concretas e implementar três grupos de medidas. A solução deve se basear em um tripé: investigação dos casos de abusos já ocorridos, requalificação real e urgente de todos os agentes e atenção aos problemas estruturais da Polícia e de seus agentes. Sem essa intervenção trina não resolveremos nada.
* William Douglas é professor de Direito Constitucional e escritor
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