Márcio de Jagun. *Pós-doutor em Ciências das Religiões, Prof. de cultura e religiosidade ioruba, Membro da Academia Pan-americana de Letras e Artes e autor de nove livros sobre religiões afro-brasileiras Divulgação
Publicado 27/12/2024 00:00
Uma das datas mais festejadas no mundo, as celebrações para a chegada do Ano Novo no Brasil fazem parte da nossa herança cultural e têm origem nas religiões de matrizes africanas. O uso de roupas brancas no Réveillon é uma tradição que começou na década de 1950, quando umbadistas e candomblecistas levavam oferendas para Iemanjá nas praias, liderados pelo saudoso Tata Tancredo, demarcando território e memória ancestrais.
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Nos cultos afro-brasileiros, a cor branca está ligada a Oxalá, um dos deuses da criação, aquele que rege o início e a conclusão de ciclos. Não por acaso os ritos afro-brasileiros de final do ano apresentam essa identificação. Contudo, o uso de trajes brancos na passagem do ano extrapolou os cultos afro e ingressou na cultura do nosso país. No dia 31 de dezembro, brasileiros em qualquer parte do mundo vestem suas roupas brancas rogando boas energias para o ano novo.

O ato de pular sete ondas na virada do ano, ou colocar flores no mar, comum nas cidades litorâneas, também é influenciado pelas tradições de terreiro. A devoção a Yemanjá ganhou corpo e ultrapassou todas as barreiras. Hoje, congrega pessoas de todos os credos, origens e etnias, sendo denominadas como "yemanjismo", pelo Prof. Armando Vallado.

O culto a Yemanjá tem origem na cidade africana de Abeokuta, às margens do rio Lakaxa, na atual Nigéria. Daí sua saudação: "Odò Ìyá!" (Mãe do Rio!). Lá, era celebrada como a deusa que protegia as crianças prematuras e doentes. Filha mítica de Olokun (Deus dos Oceanos) e irmã de Ajê Xaluga (Divindade das espumas do mar), Yemanjá se espalha pelo mundo, ganhando fama e devoção. No Brasil, desde a chegada, de escravizados daquela região, as honras a Yemanjá sempre existiram neste solo. Em Salvador-BA, os mais remotos registros apontam que essas honrarias eram feitas na lagoa do Abaete, seguindo a tradição que associava Yemanjá às águas doces. Mas, no início dos anos 20 do século passado, quando de uma seca e da escassez de pescado, a festa foi levada para o Rio Vermelho. Foi lá que Yemanjá ganhou sua herança como filha dos oceanos e irmã das espumas do mar. Foi lá que Yemanjá assumiu a regência dos mares do Brasil.

Lá na Bahia, em função do sincretismo com Nossa Senhora dos Navegantes, a data marcante é 2 do fevereiro, o dia da santa católica, que passou a ser dividido com a deusa negra Yemanjá.

Seu nome pode ser traduzido do idioma ioruba, como Mãe dos Filhos Peixes. Somos assim, um enorme cardume de peixes diversos, plurais, múltiplos, sempre em trânsito pelo oceano da vida, sempre abraçados e amparados pela grande mãe Yemanjá.

* Márcio de Jagun é pós-doutor em Ciências das Religiões, professor de cultura e religiosidade ioruba, membro da Academia Pan-americana de Letras e Artes e autor de nove livros sobre religiões afro-brasileiras
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