William Douglas é professor de Direito Constitucional Reprodução / Redes Sociais
Publicado 09/01/2025 17:41 | Atualizado 09/01/2025 17:45
Uma organização de apoio ao terrorismo que mata, estupra e sequestra idosos, mulheres, crianças e até bebês, agindo com finalidade política, prejudicou a vida de milhares de brasileiros. Infelizmente, o Judiciário brasileiro não interrompeu mais rapidamente esse dano grave. O abuso de direito veiculado vai prejudicar a economia de várias cidades da Bahia. Na qualidade de professor de direito constitucional, venho abordar o incidente e propor uma solução.

PEDIDO ABSURDO
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Um pedido que fala em 'risco de fuga' de uma pessoa que não está sendo processada em lugar nenhum do mundo é algo tão insano que deveria ser rechaçado de imediato.

Um turista foi tratado pelo Judiciário como suspeito de ter cometido um crime gravíssimo, sem que sobre ele pesasse qualquer acusação formal em seu país ou fora dele. Isso é uma vergonha para todos os que prezam o Estado Democrático de Direito, como bem apontou a matéria 'Culpado por ser israelense' (https://www.estadao.com.br/opiniao/culpado-por-ser-israelense/). Esse tipo de perseguição só interessa a mentes adoentadas como as que promovem ou defendem terrorismo, sequestro e estupro.

A fonte do pedido esdrúxulo e oportunista foi a Fundação Hind Rajab (HRF, na sigla em inglês), uma obscura ONG sediada na Bélgica, sem qualquer credibilidade e cujo líder, Dyab Abou Jahjah, integrou a milícia xiita Hezbollah. Nas redes sociais, Dyab classificou como “lutadores da resistência” os terroristas do Hamas que mataram mais de mil israelenses no dia 7 de outubro de 2024 e que, desde então, ainda mantêm mulheres, crianças e idosos como reféns.

Em boa hora, a Polícia Federal foi mais sensata e técnica que o Judiciário e não instaurou o inquérito, por entender que não há elementos suficientes para a abertura formal de uma investigação criminal contra o turista, que, na prática, foi perseguido tão somente por ser israelense.

Lamentavelmente, muitas pessoas, até políticos, comemoraram que uma pessoa que escolheu o Brasil para viajar fosse surpreendida com uma ameaça de prisão feita por autoridade incompetente em um país onde ela imaginou haver segurança jurídica. O Brasil sempre foi hospitaleiro com todos e essa imagem foi arranhada.

O tema foi explicado de forma magistral pelo advogado criminalista Fábio Tofic, que, em artigo, disse: 'O tema é complexo e merece análise sóbria, racional e desapaixonada, já que é certo que ninguém deseja que crimes dessa natureza fiquem impunes, mas tampouco que a liberdade humana fique à mercê da insegurança jurídica das nações estrangeiras.' (https://www.conjur.com.br/2025-jan-09/a-justica-brasileira-e-o-soldado-israelense/)

Em suma, é errado dar qualquer curso a pedidos evidentemente abusivos e feitos com evidente má-fé. Admitir pedidos teratológicos não é medida sem consequências graves.

DANO A BRASILEIROS E À CONFIABILIDADE DO BRASIL
Anualmente, aproximadamente 38 mil israelenses visitam nosso país, gerando por volta de R$ 230 milhões para nossa economia.

Os israelenses, há anos, vêm passar férias na Bahia. Eles amam Itacaré, Morro de São Paulo etc. Há cardápios em hebraico, os hotéis têm funcionários que falam hebraico, tudo em razão da quantidade de turistas israelenses. Esse turismo gera divisas importantes.

Em suma, além de destruir a economia de Gaza, usando as enormes quantias de doações para construir túneis e comprar armas, o Hamas e seus aliados agora conseguiram levar seu rastro de destruição até a Bahia.

Lamento que o Judiciário tenha cometido erro de tamanha dimensão. Nesse passo, juntou-se ao governo brasileiro, que reiteradamente apoia o Irã, cuja ditadura teocrática é a mãe de todo o terrorismo praticado pelo Hamas, Hezbollah e Houthis. A omissão na condenação ao patrocínio iraniano serve de vergonhoso sustentáculo ao sequestro que já dura mais de 450 dias.

COMPLETA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA
Sobre o tema, vale lembrar que o Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo Estatuto de Roma, tem jurisdição desde que o Estado envolvido seja signatário, o que não é o caso de Israel. Agravando a situação, não se prevê aplicação direta por ordenamentos nacionais.

Além disso, o Brasil não possui jurisdição para julgar estrangeiros por crimes cometidos fora de seu território, salvo exceções legais (art. 7º do Código Penal), que não se aplicam ao caso. O Superior Tribunal de Justiça, por sinal, já deixou estabelecido que “É necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado”. Este julgamento, proferido no Recurso Especial nº 1798903/RJ, obteve destaque no informativo nº 659 da Corte, cujo acórdão conclui afirmando categórica e corretamente que “não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta”.

O Judiciário deveria, desde o pedido inicial, ter indicado a ilegitimidade ativa dos proponentes já que pedidos como prisão cautelar e busca e apreensão não podem ser feitos por particulares, mas apenas pelo Ministério Público (art. 129, I, da Constituição Federal).

O TPI e o Judiciário brasileiro são incompetentes para julgar os fatos narrados. Os autores agiram com viés político e incidiram em reprovável abuso de direito e litigância de má-fé. A tentativa de aplicação direta do Estatuto de Roma foi inadequada e, ao nosso ver, erro grosseiro.

O QUE FAZER?
Seja por respeito ao Estado de Direito, ou à legalidade, ou para não causar prejuízo às famílias baianas que vivem do turismo, cabe ao Ministério das Relações Exteriores corrigir o erro que, embora tenha sido do Poder Judiciário, impactou negativamente a imagem do país. Cabe ao MRE esclarecer que a Justiça brasileira é incompetente para tais casos e que os turistas israelenses não precisam evitar o Brasil nas suas próximas viagens. Outra solução seria o STF, se provocado, encerrar o debate declarando o óbvio. Isso evitará que o problema se repita e ajudará a restaurar a confiança das pessoas em que o Brasil não é terra sem lei, onde ONGs obscuras podem transtornar a vida dos brasileiros e de seus hóspedes.
* William Douglas é professor de Direito Constitucional e escritor
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