
Publicado 12/02/2025 00:00
O ser humano sempre foi pródigo em inventar uma infinidade de deuses. Às vezes, porém, suas invenções, ainda que destituídas de fé religiosa, têm uma força equivalente à dos deuses. Próximo dos 3.000 anos a. C., os sumérios inventaram um modo de facilitar o comércio de produtos: um primeiro protótipo de dinheiro. A invenção do dinheiro acelerou e simplificou o comércio, permitiu a acumulação de riqueza, até chegarmos no estágio atual do capitalismo financeiro, que não produz nada, mas intermedia a riqueza.
PublicidadeO dinheiro mudou todos os hábitos. O trabalho de poucas horas dos povos originários, suficiente para a subsistência própria e de toda a tribo, foi substituído pela jornada de oito horas de trabalho, remunerada. A sociedade moderna vive para comprar e para acumular patrimônio. O horário de dormir e de acordar, antes regido pela natureza, passou a ser regido pelas necessidades do mercado. Assim foi criado o deus mercado/dinheiro, sob cuja influência gira a roda do mundo.
O final do século XIX e o século XX assistiram uma série de invenções integrantes da tecnologia da comunicação, até chegarmos na internet (1969). Embora tivesse uma origem militar, a internet, passou a ser concebida como um espaço de liberdade, em que cada pessoa poderia manifestar-se, desde que dominasse a complexa linguagem do computador. Como em toda atividade humana, alguns poucos mais capazes e que dominavam a tecnologia da computação, facilitaram o seu acesso, desde que o usuário usasse o seu sistema de gerenciamento.
Desse modo, esses gênios da computação se apropriaram da internet e de seus subprodutos tecnológicos: as redes sociais, os algoritmos e a inteligência artificial. As redes sociais passaram a ser o grande ambiente de informação, destronando os jornais impressos, o rádio e a televisão. O algoritmo é um conceito da matemática. Incorporado à computação, são operações lógicas capazes de assegurar a resolução de um problema. O próximo passo foi a inteligência artificial, que se desenvolve com tanta rapidez que não conseguimos acompanhar suas novas aplicações. Sua aplicação não tem limites. Os riscos também são enormes.
Não há dúvida que a tecnologia da informação trouxe e traz muitos benefícios. No entanto, a possibilidade de a humanidade ter criado mais um deus onipotente que aliena é imensa. Aliena porque muitos humanos vão se dispensar de raciocinar por si mesmos as questões mais complexas: basta perguntar e a resposta virá da IA. Até que ponto a humanidade conservará a sua capacidade de pensar?
Numa passagem atribuída a Sócrates, no antigo Egito, o deus Thoth recomendava ao deus Tamuz (Amon) a adoção da escrita para tornar os súditos mais sábios. Tamuz, ao contrário, respondeu: “tal coisa tornará os homens esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória...pois eles recebem muitas informações sem instrução e se consideram homens de grande saber, embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos”. Sócrates, ou Amon, atiraram no que viram, mas podem ter acertado no que não viram.
Numa passagem atribuída a Sócrates, no antigo Egito, o deus Thoth recomendava ao deus Tamuz (Amon) a adoção da escrita para tornar os súditos mais sábios. Tamuz, ao contrário, respondeu: “tal coisa tornará os homens esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória...pois eles recebem muitas informações sem instrução e se consideram homens de grande saber, embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos”. Sócrates, ou Amon, atiraram no que viram, mas podem ter acertado no que não viram.
Gustavo Grandinetti é desembargador aposentado do TJRJ, autor de livros jurídicos e professor visitante da Uerj
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