Aldemir Filipe Nascimento de Souza, 22 anos, um dos passageiros mortos por bandidos que assaltavam um ônibus na Via Dutra, em São João de Meriti. Ele foi proteger mulher e filha de 3 anos dos tirosArquivo Pessoal
Por RAFAEL NASCIMENTO
Publicado 31/08/2018 11:02 | Atualizado 31/08/2018 18:44

Rio - Aldemir Filipe Nascimento de Souza, 22 anos, um dos passageiros mortos por bandidos que assaltavam um ônibus na Via Dutra, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, na noite desta quinta-feira, foi atingido três vezes para salvar a mulher e a filha de 3 anos. Ele, que trabalhava em um supermercado na Zona Norte do Rio e quase não folgava, conseguiu um dia de descanso e decidiu realizar o sonho da menina, que nunca tinha ido à praia. 

"Meu irmão era muito batalhador, guerreiro, esforçado, carinhoso. Ontem ele foi levar a filha para conhecer a praia pela primeira vez. Ele estava de folga e por isso foi realizar o sonho da filha. Ele mora no bairro Cerâmica, em Nova Iguaçu, e foi para a Barra da Tijuca com a filha, a esposa e um casal de amigos", disse Aline do Nascimento Cardoso, irmã da vítima.

A auxiliar de logística contou que a mulher de Aldemir disse que ele foi baleado ao proteger as duas do tiroteio provocado durante o assalto. Ele estava em pé e a esposa sentada com a filha no colo quando os dois bandidos anunciaram o roubo. Um outro passageiro, identificado como  Vanderlei de Oliveira Paulino, de 45 anos, reagiu e entrou em luta corporal com um dos criminosos. 

"Minha cunhada disse que chegou um bandido na frente e outro atrás, e eles anunciaram o assalto dizendo que queriam os celulares. O meu irmão e minha cunhada tiraram os celulares e iriam entregar. Quando um dos bandidos ia para a parte de trás, onde ele estava, um rapaz reagiu ao assalto. Houve uma luta entre o cara que reagiu e um dos assaltantes. Segundo minha cunhada, começou a dar muito tiro. O meu irmão então se jogou em cima da minha sobrinha e minha cunhada pra tentar salvar as duas. Aí, ele falou: "me acertaram um tiro'", narrou. Segundo a mulher da vítima, o assaltante estava apanhando do passageiro que reagiu, então o outro criminoso que estava na parte da frente do ônibus atirou. 

"Meu marido foi atingido três vezes. Estou em choque, anestesiada. Minha filha viu tudo, ela está desesperada", disse a mulher de 20 anos, contando que a criança não sabe da morte do pai. "Ela fica me falando: 'Mamãe, salva o papai, tira ele do hospital'", falou. A viúva e Aldemir estavam juntos desde a adolescência, quando ela tinha 14 e ele 16 anos.  "Há duas semanas começou a fazer curso de direção, estava muito feliz. Nunca deixou faltar nada para a gente", lamentou. 

Aline fala que o irmão desabou no corredor do ônibus após ser atingido três vezes e que o Corpo de Bombeiros demorou a chegar ao local. "O casal que estava com ele ainda tentou fazer massagem cardíaca, mas ele não resistiu. O socorro demorou mais de 40 minutos", reclamou.

Mulher de Ademir, que foi morto ao tentar defender a família Estefan Radovicz / Agência O Dia

Os assaltantes fugiram após o crime e a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) investiga o caso. A especializada realizou perícia no ônibus e busca imagens e testemunhas com o objetivo de identificar e prender os autores dos crimes. A mulher de Aldemir foi uma das que já prestaram depoimento na DHBF.

Aldemir cuidava do pai, que tem câncer de próstata. Há pouco tinha concretizado o sonho de construir sua casa e almejava agora tirar a carteira de motorista. No mesmo dia em que foi morto havia completado um mês que tinha sofrido um assalto, chegando em casa. Na ocasião, foi abordado por bandidos armados em uma moto que roubaram seu celular e carteira. 

O corpo de Aldemir será enterrado às 17h no Cemitério Municipal de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Já o enterro de Vanderlei deve ser no Cemitério Jardim da Saudade de Edson Passos, em Mesquita. Ambos sepultamentos serão custeados pela empresa de ônibus que ocorreu o roubo, a UniRio Transportes. 

A amiga de Adelmir e sua esposa também narrou os momentos de terror. Ela disse que escapou por pouco, pois minutos antes estava em pé, mas sentou após um passageiro cedeu o lugar para ela, um banco atrás do da mulher da vítima fatal. "Foi Deus que me salvou. Eu estava em pé e sentei. Foi muita correria, teve gente que até desmaiou. Poderia ser muito pior", falou, sem se identificar. 

Passageiro morto ao lutar com bandido já tinha reagido a roubos

O passageiro que entrou em luta corporal com um dos criminosos e acabou morto trabalhava há mais de 20 anos como segurança na Caixa Econômica Federal e estava perto de se aposentar. Atualmente, Vanderlei era funcionário de uma agência da Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, depois de 16 anos trabalhando no Centro do Rio. Segundo familiares, não era a primeira vez que ele reagia a um assalto.

"Ele já desarmou bandidos umas três vezes. Da última vez, falei para não fazer mais isso e ele responder que era por instinto, mas que estava arrependido e que não faria mais", disse Gilgoberto Roque, de 39 anos, primo da vítima, que deixou uma filha de 18 anos. Ela também falou sobre a atitude do pai. "Eu dizia: 'pai, pelo amor de Deus, para de reagir a assalto'", falou.

Vanderlei entrou em luta corporal com assaltante armado e acabou mortoReprodução Facebook

"Cadê a segurança? Na Barra tem, aqui na Baixada estamos largados! Só lembram da gente quando vem pedir votos. Ele deixou uma filha de 18 anos, que está arrasada e vai ficar sem pai a partir de agora. Eu vejo que nosso estado está entregue aos bandidos", disse Roberlan da Silva, 60 anos, outro parente de Vanderlei. A mulher da vítima está a base de remédios.

'Roubam até marmita', diz vendedora que trabalha no local

Uma vendedora ambulante que trabalhar em frente ao local do assalto disse que os assaltos são frequentes nos pontos posicionados na Via Dutra e entorno. Segundo Ruth Lúcia Ribeiro Bezerra, 58 anos, que trabalha com o marido nas ruas, os criminosos roubam até marmita. Ela costuma chegar antes das 6h no local, ainda escuro, e diz que não há policiamento e a iluminação é precária. 

"Todo santo dia tem assalto. Aqui eles não poupam nada e nem ninguém, levam de dinheiro à marmita. Vira e mexe tem alguém correndo, chorando, dizendo que foi assaltado. Há pouco menos de um mês, um rapaz que estava indo trabalhar e chegou nervoso, tremendo porque tinha sido roubado. Levaram o RioCard e a marmita dele", contou.

A estudante Rebeca Baptista Alves mora na região e estuda em Nova Iguaçu. Ela pega ônibus todo dia no local e relata que, mesmo com medo, não tem escolha. "É o único lugar que passa ônibus para minha escola. Sempre ando com um celular reserva. O pior momento é por volta das 19h, quando desembarco e está tudo escuro e deserto. A gente não vê nada para diminuir a violência. Só vemos o aumento da criminalidade", criticou.

Você pode gostar

Publicidade

Últimas notícias