Tia Suluca recebeu Cacá Nascimento em sua casa, que fica perto da Estação Primeira. 'Essa menina já está na história da Mangueira', diz a baluarte Luciano Belford/Agência O Dia
Por LUIZ PORTILHO
Publicado 10/03/2019 03:00 | Atualizado 10/03/2019 10:58

'Habitada por gente simples e tão pobre, que só tem o sol que a todos cobre. Como podes, Mangueira, cantar?' Entoando esses versos de Cartola, Cacá Nascimento, de 11 anos, encantou Tia Suluca, 92, assim como fez com todo Brasil ao interpretar a estudante da comissão de frente da Verde e Rosa no desfile campeão. Na casa da baluarte da Estação Primeira, adocicada pelo quitute da goiaba colhida diretamente do quintal, com vista para o morro que tantos mestres deu ao mundo, a menina recebeu a bênção da matriarca da escola, que tem o sangue do eterno mestre-sala Delegado na veia.

"Essa menina já está na história da Mangueira. É inteligente, sabe o que está fazendo", diz Tia Suluca. Os 92 anos de vida não tiram de Arlette da Silva Fialho a disposição de defender a escola pela qual começou a desfilar quando ainda tinha 7 anos, levada pelo irmão, o primeiro mestre-sala da agremiação, Ezio Laurindo da Silva. Foi ele mesmo, o eterno Delegado, morto em 2012, quem plantou a semente do amor pela Mangueira no coração de Tia Suluca.

"Eu tenho muita saudade dele. Foi o maior mestre-sala do mundo. Eu me lembro que a gente dançava em casa, usando uma vassoura. Mas eu não quis ser porta-bandeira, pois é uma função que cansa muito", conta a baluarte, que é presidente de honra da Ala das Baianas.

"Nossa fantasia era de papel crepom. A Dona Neuma que fazia", destacou Tia Suluca, lembrando de outra personalidade da Mangueira, morta em 2000. "Quando chovia era um sufoco, mas o amor pela escola superava isso. Eu gostava muito. Só de ouvir a bateria ensaiando pela Rua Visconde de Niterói, eu descia correndo do Buraco Quente para ir atrás. Era bom frequentar essas festas e ouvir sambas de Cartola (falecido em 1980) e de Carlos Cachaça (falecido em 1999). Era bom ver a Dona Neuma e a Dona Zica (falecida em 2003)".

Dos locais que já abrigaram os desfiles do Carnaval carioca: Praça Onze, Avenida Rio Branco, Estádio de São Januário, Avenida Presidente Vargas e Sapucaí, esta a partir de 1978, ela prefere a última. "Ela é pequena para mim, mas eu gosto. E eu sempre gostei de ir no chão. Agora é que tenho de ir no carro. Neste ano, eu fui como avó do Zumbi dos Palmares", ressaltou.

Sem perder um Carnaval ao longo desses 85 anos de serviço à escola, incluindo os ensaios, onde tem uma mesa cativa, Tia Suluca ficou encantada com o enredo 'História para ninar gente grande' e com o samba campeão de 2019. "Eu senti firmeza. E eu nunca tinha visto um samba tão bom como esse", contou a baluarte, que sugeriu: "A Mangueira precisa lembrar de seus mestres que andam tão esquecidos, como Jamelão (ex-intérprete, morto em 2008) e Delegado".

Sonho de Cacá é ser intérprete e passista da Verde e Rosa

Oriunda da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã, Cacá Nascimento arrebatou corações interpretando a estudante da comissão de frente, na qual exibiu a faixa ‘Presente’, o que fez lembrar a vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada em março do ano passado.

“Fiquei muito feliz em participar do desfile. As pessoas da escola são incríveis. Eu tive que ensaiar muito”, contou a menina, que participou da última edição do programa The Voice Kids, da TV Globo, e também gravou o samba-enredo campeão deste ano.

Com o apoio do pai, o fotógrafo Márcio Xavier, de 42 anos, a pequena ensaiava desde às 2h, nos últimos dois meses. “Tinha dia que eu saía da quadra com o dia clareando”, destacou Márcio, que também é compositor da Estação Primeira.

No 6º ano do Ensino Fundamental, Cacá tem o sonho de ser cantora e quer levar isso para a história que inicia na Mangueira. “Antes eu queria ser porta-bandeira, mas não tenho o talento da Squel (Jorgea, atual dona do posto). Deus me deu o dom de cantar e dançar. Então, quero ser intérprete e passista”. 

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