Fabiano MendonçaREPRODUÇÃO Da INTERNET
Por Yuri Eiras
Publicado 26/11/2020 14:59 | Atualizado 27/11/2020 13:07
Rio - A notícia já correu pelas rodas de conversa e grupos de Whatsapp dos motoboys cariocas: agora, para realizar entregas, só deixando a motocicleta na entrada e subindo a pé com o lanche. Em outras comunidades, principalmente as dominadas pela milícia, entregador só entra após pagamento de pedágio e revista agressiva nos celulares. Alguns são proibidos, outros ameaçados. Na outra ponta, moradores de áreas de risco precisam evitar fazer pedidos. Realidade de uma cidade onde, na prática, os direitos não são iguais.
O Disque Denúncia fez um levantamento exclusivo, a pedido do DIA, sobre casos de constrangimento ou ameaça a entregadores. Os números assustam. De janeiro a novembro, o programa recebeu 41 denúncias na Região Metropolitana sobre abordagens agressivas, ameaças e extorsões: 32 realizados por traficantes e outras nove por milicianos.
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Os principais bairros alvos de denúncias sobre traficantes foram Santa Teresa (quatro denúncias), Tijuca (duas) e Ilha do Governador (duas), seguidos por Lins, Engenho de Dentro, Engenho Novo e Copacabana, com uma denúncia cada. Nas áreas de milícia, as mais citadas são Duque de Caxias (Saracuruna e Centro), São Gonçalo (duas denúncias no Gradim), além de Vargem Grande e Pedra de Guaratiba.
Um motoboy que prefere não se identificar explica a dinâmica da proibição. "Alguns lugares, tipo o Complexo da Penha, só pode entrar em comunidade deixando a moto longe. Se entrou, já tira o capacete, sem nada na cara. A bag (mochila) tem que ficar na moto. O entregador tem que pegar o lanche, ir até eles (os traficantes), explicar onde é a entrega e levar", conta. Outro trabalhador afirma que "área de milícia é pior porque os caras (milicianos) estão cismando do nada, e estão exigindo que, se você for motoboy de lanchonete, tem que deixar um 'qualquer'".
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'Cismaram que eu era policial'
Fernando (nome fictício) é morador de São Gonçalo e motoboy há quase 15 anos. Conhece a Região Metropolitana como a palma da mão e, justamente por isso, decidiu que não faz mais entregas em favelas. "Eu, particularmente, quando é área de comunidade, não entro. Pergunto para o cliente se tem possibilidade de vir até a minha direção. Mas também entendo que ele não tem culpa", diz o entregador, que já sofreu na mão de traficantes.
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"Ele começam a te perguntar de onde você é, para quem você está levando lanche. Sempre tem um ou dois que cismam com a cara, como foi comigo em uma favela de São Gonçalo. Cismaram que eu era policial. Eles pegaram meu celular e viram meus contatos, tentando achar algum contato de PM. Foram minutos de terror".
Moradora do Morro do Turano, no Rio Comprido, Roseli Silva faz parte do grupo de risco da Covid-19 e evita sair de casa, mas também tem medo de pedir delivery. "Fico insegura com relação à segurança, então prefiro só pedir comida dos comércios aqui da comunidade. Jamais me perdoaria se acontecesse algo com um motoboy que viesse me fazer uma entrada".
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Traficantes fizeram 'troia' disfarçados de motoboys
Quem circula de motocicleta pela cidade percebe que as abordagens em comunidades ficaram mais agressivas desde o fim de outubro, quando traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP) da Cidade Alta entraram no Complexo da Penha, segundo testemunhas, pilotando três motocicletas disfarçadas de entrega. Houve tiroteio com os criminosos rivais. Alan Ferreira Montenegro, conhecido como Da Lua, morreu no confronto. Ele era gerente do Comando Vermelho nos morros da Fé e Sereno, na Penha.
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Dias depois, mensagens de alerta começaram a viralizar em grupos de bairros e de entregadores. "Aviso aos motoboys entregadores, e se possível ajude a repassar nos grupos: bandidos de facção rival atacaram a comunidade do Complexo da Penha disfarçados de motoboys entregadores de lanche. Sendo assim, os bandidos estão obrigando a retirar o capacete. Do contrário, pode ser esculachado e em alguns casos até revistado. Estão olhando celulares para ver se encontram algo suspeito".
Agonia aos familiares
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A realidade violenta encarada pelos motoboys leva agonia aos familiares. Familiares do motoboy Márcio Alexander Nunes, de 33 anos, cobram das autoridades de segurança informações imediatas para ajudar na sua localização. O entregador por aplicativo está desaparecido desde o último domingo (22), quando saiu do Cachambi para realizar uma entrega em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. 
No início do mês, o motoboy Fabiano Mendonça foi executado após fazer uma entrega na Rua Lemos Brito, em Quintino, área dominada por traficantes. Ele chegou a realizar o delivery, mas quando voltava para a loja onde trabalhava, foi interceptado, segundo moradores, por criminosos que vasculharam o seu celular. O corpo foi encontrado no bairro de Piedade, a pouco mais de 1,5km do local. O caso está na Delegacia de homicídios da Capital (DHC).