Kathlen Romeu, grávida baleada na cabeça no Complexo do Lins, na Zona Norte do RioReprodução / Instagram
Por Carolina Freitas
Publicado 09/06/2021 16:32 | Atualizado 09/06/2021 18:23
Rio - A loja Farm, famosa por vender peças de roupa de alto valor, gerou revolta na web ao usar seu perfil oficial no Instagram para pedir que clientes façam compras usando o cupom de desconto de Kathlen Romeu, de 24 anos, morta com um tiro de fuzil no tórax na manhã desta terça-feira no Complexo do Lins, na Zona Norte da cidade. A jovem era vendedora da marca na unidade de Ipanema, Zona Sul.
De acordo com a Farm, o objetivo é usar o dinheiro da comissão, ou seja, uma pequena porcentagem do que for vendido, e entregá-lo à família de Kathlen, com o intuito de ajudá-la. A outra parte, no entanto, ficaria com a marca.
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"A partir de hoje, toda a venda feita no código de Kathlen, terá sua comissão revertida em apoio para a sua família", dizia parte da publicação.
A ideia, porém, não agradou os internautas, que imediatamente tomaram as redes sociais com comentários contra a marca. "A Farm fazendo a Kathlen trabalhar depois de morta para reverter a COMISSÃO dela em vendas pra família", disse um rapaz.
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"O que a Farm tá fazendo disfarçado de ato de bondade é um absurdo. É lucrar com a morte de gente preta. Não precisam disso, tem dinheiro demais na mão desses brancos", disse uma menina.
Eles ainda questionam o porquê da marca não doar todo o dinheiro das vendas com o cupom de Kathlen para a família. "Quanta falta de respeito! código???? não precisa de cupom nenhum!!! vocês tem dinheiro suficiente para poder ajudar a família", "Gente, lucrar com a morte de alguém é surreal".
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Denúncia de racismo
Ao final da publicação sobre as vendas com o código de Kathlen, o perfil também escreveu: "Vidas negras importam". O que chamou a atenção dos internautas, porém, foi o caso de uma ex-funcionária, identificada como Janice Mascarenhas, de 26 anos, disse ter sido vítima de racismo na loja em que trabalhava, na unidade de Icaraí, e que Kathlen a acolheu. 
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"Eu entrei para a FARM em 2016. Na época a empresa tinha acabado de se envolver em uma grande confusão por causa de racismo. Depois desse episódio, eles abriram um quadro para funcionárias negras e eu acabei passando. A Farm não tinha nenhuma estrutura para receber funcionários racializados, eles só estavam querendo incluir gente preta para poder calar a boca do que estava acontecendo naquela época", explicou Janice.

Na ocasião, o episódio de racismo que Janice cita é uma estampa feita pela marca onde negros aparecem trabalhando.
 
Estampa da FARM onde negros aparecem trabalhando causou polêmica em 2016 - FARM / Divulgação
Estampa da FARM onde negros aparecem trabalhando causou polêmica em 2016FARM / Divulgação
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Após entrar na marca como funcionária, ela, que hoje trabalha como diretora criativa, citou também sua demissão da loja, que até hoje não foi explicada pela empresa.
"Teve uma vez que uma menina de 15 anos foi na minha loja pedindo para eu tirar o alarme de um short. Nós somos orientadas a só fazer esse tipo de procedimento se a pessoa mostrar a nota fiscal ou der seu CPF. Então eu pedi para a menina me dar o CPF dela que eu iria verificar a compra no sistema. Nisso, ela ligou para a mãe, que chegou lá imediatamente e perguntou: 'Quem você acha que é para acusar minha filha de roubo? É mais fácil você roubar alguma coisa daqui'", disse Janice que completou que em nenhum momento havia falado que a adolescente tinha roubado o produto.
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Depois desse episódio, a ex-funcionária disse que foi demitida e que sua gerente teria alegado que ela "tinha um problema que não sabiam lidar".
"Depois da demissão, em 2016, eu abri um processo junto ao Ministério do Trabalho. Até hoje eu não consegui entender porque fui mandada embora. Fiquei me sentindo louca durante muito tempo. Em 2018 eu simplesmente recebi um e-mail dizendo que meu processo tinha sido cancelado. Depois disso eu nunca mais fui chamada e ninguém sabe o que aconteceu. Eles simplesmente conseguiram sair ilesos dessa situação".
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Janice disse ainda que em toda a rede da Farm, na época em que ela trabalhou pela empresa, devia ter no máximo dez meninas negras, o restante eram todas brancas. "Eu me achei nessas meninas e nós criamos um grupo para expor algumas situações do gênero".
A diretoria criativa afirma que faz tratamento psiquiátrico desde o dia de sua demissão. "Achei que realmente eu tinha algum problema. Já gastei muito dinheiro com remédio antidepressivo. A Farm é uma empresa muito racista, muito racista mesmo. Hoje, depois da morte da Kathlen, que eu comentei no Instagram da Farm, eu me sinto indenizada pelo menos moralmente".
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Após a má repercussão da campanha de usar o código de Kathlen, a Farm pediu desculpas e disse que a ideia foi pensada por uma vendedora da marca. "Entendemos a gravidade do que representou esse ato, por isso, retiramos o código E957 do ar. Continuaremos dando o apoio e suporte à família, como fizemos desde o primeiro momento em que recebemos a notícia", disse a empresa.
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